A Fidelidade de um Tradicionalista

31/03/2023

O apoio incondicional à verdadeira Tradição da Igreja Católica, seus dogmas e sua estrutura moral consubstanciados na plena reflexão da ação cristã de acordo com os princípios evangélicos, constituem as características do que se costuma chamar de "católico tradicionalista". 

Obviamente, a manipulação pejorativa desses conceitos rompe esse vislumbre definidor, transformando-o em um amálgama de fundamentalismo recalcitrante, fanatismo e intolerância inflexível em relação a uma realidade eclesial continuamente "evolutiva", nunca precisamente definida ou determinada.

As posições modernistas de Alfred Loisy (1857-1940) e George Tyrrell (1861-1909), condenados post Pascendi entre muitos outros, durante os primeiros anos do século XX, engendraram posteriormente a chamada nouvelle theologie, entre as décadas de 1930 e 1940 .que seria o mediador entre a ala dura do modernismo, e a sutil nova teologia que introduzirá seus principais conceitos teológicos, no aggiornado maremagnum do Concílio Vaticano II.

Os brilhantes ensinamentos de S.S. Pio XII em suas encíclicas Mediator Dei (1947) e Humani Generis (1950), vislumbrou assintoticamente o possível alcance a que poderiam chegar esses desvios doutrinários e, poucos anos depois de sua morte, o Concílio Vaticano II lhes abriu as portas. A propagação e proliferação desses erros e abusos estreitaram o círculo dos tradicionalistas, a ponto de considerá-los uma minoria refratária, significando mais um estorvo do que um interlocutor válido. Atualmente, excluídos da misericórdia bergogliana, encontram consolo apenas na força de suas convicções e na constância que alimenta a esperança da restauração definitiva de um catolicismo que jamais deveria ter sido desvirtuado de sua essência metafísica e reduzido a vergonhosas dimensões imanentes.

As três frentes que o neomodernismo usou em sua vitória de Pirro contra o catolicismo tradicional podem ser resumidas da seguinte forma:

A)- Um ecumenismo que substituiu a conversão dos dissidentes por um culto de interminável dialogismo, indutor de seu retorno à verdadeira Igreja de Cristo. Os irmãos separados (ex-hereges e cismáticos de vários tipos) são considerados membros legítimos de autênticas comunidades eclesiais que podem coexistir em absoluta igualdade com a Igreja Católica.

Da mesma forma, as relações com as falsas religiões são canalizadas pela imolação no altar do diálogo, resultando assim na perfeita conformação de um supermercado religioso, em que a Verdade se adquire com relativismo, que é a moeda de compra de seus produtos. Os infelizes encontros de Assis testemunham esta realidade. (1)

B)- A inoculação ainda venenosa da dialética marxista através da teologia da libertação e o mar de erros que emanam de seu lado gramsciano. Já não se restringe a algum progressismo teológico em certas áreas da América Central e do Sul marcadas por um enorme abismo de desigualdade social, mas é pregado oficialmente a partir de certas organizações vaticanas sob a supervisão direta do Sumo Pontífice.

Isso abre as portas de seminários, universidades e escolas católicas para patrocinar essa ideologia desastrosa, refugiando-se na sombra da deturpação oficial da teologia tradicional realizada pela própria Santa Sé. (2)

C)- Sem dúvida, a hecatombe doutrinária deixará suas conseqüências na moral e no comportamento cristão em geral. Antigamente, na teologia moral, discutia-se atrito, contrição, probabilismo ou tuciorismo. A estrita aplicação atual dessas doutrinas parece ter ficado totalmente ultrapassada diante do enorme aparecimento de fenômenos não naturais como os derivados da homossexualidade, do aborto ou da eutanásia, para citar os mais tristemente conhecidos. Se acrescentarmos a isto a consistente ambiguidade com que as mais altas autoridades eclesiásticas formulam as suas posições sobre estas questões, não é de estranhar a flagrante confusão que pesa na consciência dos cristãos.

O quadro geral é de partir o coração. Encontramo-nos (como o próprio Papa Francisco afirmou muitas vezes), no crepúsculo de um pontificado. No entanto, o último tango no Vaticano ainda não foi executado. A intensificação dos neossínodos, uma provável nova restrição (se não a definitiva) para a Missa Tradicional e a pletora de novos cardeais nomeados, infelizmente nos fazem conjeturar uma marcada tendência de continuidade independentemente de quem deve conduzir o barco de Pedro.

Precisamos assumir a verdadeira magnitude da crise que atravessamos e o papel fundamental que o tradicionalismo deve desempenhar, não fragmentado em pequenos guetos, mas unindo-se em comunidades que atuem como autênticos faróis da ortodoxia em meio à escuridão reinante.

É difícil e incômodo conviver e lidar com irmãos católicos que pertencem ao Novus Ordo em todos os sentidos, isto é, com padres, leigos e freiras criados em suas respectivas ordens ou pastoreados como simples fiéis desde o Concílio, e trocar com eles diferentes impressões sobre a realidade eclesial.

Mais do que um tradicionalista terá experimentado a impotência de canalizar os seus pontos de vista, na sua maioria marcados por um supino desconhecimento da situação eclesial pré-conciliar em particular e da história da Igreja em geral. Uma exposição serena que desenvolve claramente como a crise atual levou, iluminaria esses fiéis a considerar uma visão mais ampla da realidade, livre de um certo espírito de bezerro e acrítico infundido pela hierarquia dominante em suas dioceses.

Recordemos, por fim, que sempre encontraremos em Nosso Senhor Jesus Cristo e em Maria Santíssima a graça e a esperança que não nos deixará sucumbir a estes infortúnios e nos moverá de um compromisso inflexível com a Tradição para enfrentar os desafios pendentes.

"Nossa vida corre entre a honra e a injúria, entre a calúnia e a boa fama. Eles nos consideram impostores, embora sejamos verdadeiros; por estranhos, embora nos conheçam bem; por morrer, embora estejamos vivos; por punido, embora não condenado à morte; por pessoas tristes, embora estejamos sempre alegres; para os pobres, embora enriqueçamos a muitos. Em suma, eles acreditam que não temos nada, embora possuamos tudo". (Fonte "Adelante La Fe")


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"Esta é uma civilização feia. É uma civilização de barulho, fumaça, fedor e multidões, de pessoas que se contentam em viver entre o pulsar de suas máquinas, a fumaça e os cheiros de suas fábricas, as multidões e desconfortos das cidades das quais orgulhosamente se gabam.
Ralph Borsodi. Esta Civilização Feia (1928)