A Igreja e a homossexualidade: a história de uma capitulação
Foi por covardia ou cumplicidade — ou ambos — que o Cardeal Fernández, com o apoio do Papa Francisco, publicou em 2023 a Declaração Fiducia Supplicans?
É impossível não fazer essa pergunta depois de ler o pequeno ensaio de Julio Loredo e José Ureta, Uma brecha na barragem — Fiducia Supplicans sucumbe à pressão do lobby homossexual.
Os autores não levantam essa questão espinhosa. Eles se limitam a fornecer um relato documentado do cabo de guerra entre o Vaticano e o lobby homossexual, uma vez que este último, na década de 1970, decidiu forçar a Igreja a mudar sua doutrina sobre a atração pelo mesmo sexo ("objetivamente desordenada") e as relações homossexuais ("intrinsecamente desordenadas" e até mesmo "depravadas"). Como resultado, a Igreja deveria fazer uma "releitura" aggiornatata [atualizada] da Bíbliaà luz de Freud, o grande profeta da sexologia contemporânea.
Em Uma brecha na barragem, Loredo e Ureta argumentam que os católicos devem permanecer firmes em um inflexível non possumus, porque "deve-se obedecer antes a Deus que aos homens" (Atos 5,29). De acordo com eles, se essa resistência às autoridades eclesiásticas levar a uma divisão na Igreja, "não será culpa daqueles que desejam o depósito da fé intacto, mas sim daqueles que procuram 'reinterpretá-lo' com base nos supostos desenvolvimentos da ciência moderna e na 'evolução' antropológica da humanidade".
No processo diabólico, chega-se a querer justificar a pedofilia
Covardia? Cumplicidade? Ou ambos? A resposta cabe aos leitores, depois de lerem o livro. O certo é que o novo trabalho de Loredo e Ureta, já traduzido para sete idiomas e destinado à distribuição em todos os cinco continentes, desencadeará uma controvérsia tão acalorada como sua obra anterior O processo sinodal: Uma caixa de Pandora.
A "quinta coluna" teológica que abriu as primeiras rachaduras não deixou de ser mencionada nesse pequeno volume. Os jesuítas McNeill, Charles Curran e o oblato André Guindon argumentaram abertamente que era Deus o responsável direto pela atração homossexual e pelo amor que a acompanha. Portanto, a Igreja só poderia abençoar a união estável de parceiros homossexuais, por ser essa um espelho do desvelo de Deus pela humanidade.
Um capuchinho holandês menos conhecido, Herman van de Spijker, foi mais longe, reconhecendo aos encontros noturnos furtivos em um parque, o mérito de acalmar as tensões pessoais e contribuir muito para o amadurecimento dos invertidos.
Mas a ignomínia final vai para o Padre Guindon, que consegue a prodigiosa façanha de justificar relacionamentos pedófilos, os quais só seriam traumáticos para a criança por causa da reação histérica dos pais, obcecados pelo preconceito e pela atitude possessiva!
Uma conivência com a pedofilia retomada mais tarde por um anúncio no Kerken Leben, o semanário dos bispos flamengos, com a cumplicidade do Cardeal Daneels, o grande eleitor do Papa Francisco na máfia de Sankt-Gall, que desviou o olhar para o outro lado. Não é de surpreender que ele tenha feito o mesmo quando seu bom amigo Dom Roger Vangheluwe, ex-bispo de Bruges reduzido ao estado laical, foi acusado de abusar sexualmente de um sobrinho durante treze anos, desde que o menino tinha apenas cinco anos.
Recusa do ensinamento da Igreja sobre a homossexualidade
Cardeal Godfried Danneels
Todos esses escritos nauseabundos são rapidamente passados em revista, juntamente com as atividades pseudo-pastorais de figuras como o Padre Robert Nugent e a Irmã Jeannine Gramick, que chegam a dizer que somente os homossexuais que aderem ao ensino tradicional são obrigados a confessar seus pecados contra o Sexto Mandamento. Para seu rebanho nos grupos Dignity e New Ways Ministry, que assumiram sua identidade LGBT, é suficiente confessar suas violações voluntárias do compromisso básico de viver uma vida de amor altruísta…
Um longo capítulo de Uma brecha na barragem narra a contra ofensiva da Congregação para a Doutrina da Fé, quando era chefiada pelo Cardeal Joseph Ratzinger, contra todas essas aberrações doutrinárias que desprezavam os textos muito claros das Escrituras e o ensino constante do Magistério.
Atenção especial é dada à Carta Homosexualitas Problema "sobre o atendimento pastoral das pessoas homossexuais", publicada em 1986, que pedia aos bispos do mundo "que sejam particularmente vigilantes com relação aos programas que, de fato, tentam exercer pressão sobre a Igreja a fim de que ela mude a sua doutrina, embora às vezes, verbalmente neguem que seja assim". As sucessivas condenações dos autores heterodoxos são analisadas, bem como a proibição imposta ao Padre Nugent e à Irmã Gramick de continuarem suas atividades dentro dos grupos dos quais eram capelães, tendo em vista o fato de terem se recusado a assinar uma declaração confirmando sua adesão interior ao ensinamento da Igreja sobre a homossexualidade.
Todos são bem-vindos… desde que cumpram as exigências de Deus
O Cardeal Joseph Ratzinger já alertava,
em 1986, aos bispos do mundo
para "que fossem particularmente
vigilantes com relação aos programas que,
de fato, tentam exercer pressão
sobre a Igreja a fim de que ela
mude a sua doutrina, embora às vezes,
verbalmente neguem que seja assim"
Loredo e Ureta também se propuseram a dissecar o binômio "desafio-chantagem" usado pelo lobby homossexual para forçar a mão dos bispos, seja revelando sua orientação sexual, seja forçando-os a se distanciarem publicamente das posições da Santa Sé, sob pena de obrigá-los a "sair do armário" contra a própria vontade.
O caso mais emblemático é o do Cardeal Basil Hume, que se apressou em escrever uma carta afirmando que a amizade homossexual pode ser "uma forma de amar" e que não devemos generalizar ao atribuir culpa subjetiva sobre atos genitais homossexuais. O ativista do movimento Out Rage, Peter Tatchell,pôde se gabar ao New York Times: "Estamos definindo a agenda".
Se tudo isso produziu rachaduras no dique católico que ainda se mantinha firme contra as ondas da revolução homossexual, foi o Papa Francisco quem abriu uma brecha, desde seu famoso "Quem sou eu para julgar" até o apelo na JMJ de Lisboa para incluir "todos, todos, todos",sem levar em conta sua condição de pecadores públicos.
Apelo que foi objeto das flechas afiadas de Dom Rob Mutsaerts, o corajoso bispo auxiliar de S'Hertogenbosch (Holanda), em seu prefácio ao livro. Sem rodeios, ele afirma que, por certo, todos são bem-vindos… desde que cumpram as exigências de Deus. No inferno, diz ele, a situação é diferente.
"No inferno, as coisas são diferentes: todos são incondicionalmente bem-vindos. O slogan do diabo é: Come as you are ["Venha do jeito que você é"]; não precisa mudar, pedir perdão, nem erguer uma palha para ajudar a outros em suas necessidades: 'todos, todos, todos' são bem-vindos ao inferno".
Mas não acho que nosso bom bispo holandês seja agora tão bem-vindo a Santa Marta como o foram a Irmã Gramick e o Padre James Martin. É mais provável que ele tenha o mesmo destino de seu colega Dom Joseph Strickland, o que lhe dará mais tempo para escrever em seu blog, o que não seria tão ruim…
Exigem uma mudança no Catecismo da Igreja Católica
A brecha aberta pelo Papa Francisco foi rapidamente atravessada pelos bispos alemães e belgas, que promoveram cerimônias litúrgicas para abençoar as uniões homossexuais, e ainda pelo Cardeal Schönborn, o qual deseja conceder a todos os casais "irregulares", incluindo os de parceiros do mesmo sexo, nada mais nada menos que o status teológico concedido pelo Concílio Vaticano II aos "irmãos separados".
De acordo com o Arcebispo de Viena, que aproveitou a festa da Assunção para abençoar seu amigo Gery Kezlere e o parceiro homossexual deste no final da refeição, as uniões civis incluem aspectos positivos de compromisso mútuo, mais sólidos do que os de uma simples coabitação, o que as aproxima do casamento sacramental.
O teólogo suíço Daniel Bogner vai ainda mais longe. Ele acredita que é necessário repensar o sacramento do matrimônio e libertá-lo de sua "embalagem de perfeição" e de "uma lógica escalonada que distingue entre um sacramento de 'forma plena' e uma oferta barata de bênção para formas 'inferiores' de amor".
Se a espúria "bênção pastoral" do Cardeal Tucho Fernández causou tanto alvoroço na África e em outros lugares, não é difícil imaginar a convulsão que sofrerá a Igreja Católica se aprovar, como muitas denominações protestantes já o fizeram, um pseudo-casamento homossexual. Ou uma mudança no Catecismo da Igreja Católica para dizer que a orientação homossexual não é desordenada, mas "ordenada de forma diferente", como deseja o Padre Martin.
De fato, a doutrina que rejeita a homossexualidade faz parte do magistério ordinário universal da Igreja e, como tal, é irreformável. Em consequência, é absolutamente inaceitável a ideia de que as relações homossexuais podem ter algo que valha a pena santificar com um sacramento ou bênção, como os Cardeais Hollerich, Schönborn, Fernández & Co. com o apoio secreto de Francisco procuram impor.
O Vaticano continuará a se submeter ao lobby LGBT?
Alguns acharão que esta obra não é suficientemente profunda, porque simplesmente relata as ofensivas do lobby LGBT e seus cúmplices nos círculos católicos e as respectivas respostas — primeiro mais fortes e depois mais fracas ou mesmo cúmplices, do Vaticano e de vários episcopados —, sem fornecer uma análise detalhada de cada argumento ou incidente. Outros acharão, ao contrário, que o livro não foi escrito com uma caneta ágil, como se fosse um romance, devido à preocupação óbvia dos autores de permanecerem objetivos e bem documentados.
De qualquer forma, para os leitores mais velhos, como eu, a leitura do livro os fará lembrar de certos episódios que os enfureceram na época, mas que depois desapareceram de sua memória, como a declaração escandalosa de Mario Mieli, fundador do Fronte Unitario Omosessuale Rivoluzionario Italiano, sobre a contribuição feita à emancipação humana por perversões sexuais como sadismo, masoquismo, pederastia, gerontofilia e zoofilia.
Os leitores mais jovens, que não vivenciaram o tumulto da era pós-68, encontrarão uma perspectiva histórica que os ajudará a entender até que ponto a Fiducia Supplicans representa uma capitulação incomum do Vaticano diante da pressão do movimento homossexual dentro e fora da Igreja. (Fonte: Agência Bom Imprensa)