A Providência Divina operou no século XIX numerosas e impressionantes conversões de judeus à verdadeira religião. Muitos deles ocupavam importantes posições em suas respectivas sinagogas e comunidades.
Por Plinio Maria Solimeo
Entre elas, temos a do célebre escritor e douto rabino David Drach, acontecida em1823, sobre quem falaremos mais detidamente. Em 1826 foi a vez de Théodore Ratisbonne emparentado com a família Rothschild. Ele não somente abraçou a Fé, seguindo o exemplo de três amigos do povo eleito — Emílio Dreyfus, Alfredo Mayer e Samson Liebermann —, mas se tornou sacerdote e fundador. Em 20 janeiro de 1842 seguiu-o seu irmão mais novo, Afonso, que uma graça irresistível obtida por meio da Medalha Milagrosa foi "derrubado do cavalo". Sua conversão foi a mais famosa daquele século.
Com o correr do tempo e sem cessarem as conversões, temos, em 1945, a de Israel Anton Zoller, rabino-chefe da sinagoga de Roma de 1940 a 1945, que em homenagem ao Papa Pio XII, então reinante, adotou no batismo o nome Eugênio Maria.
Essas conversões de judeus observantes continuaram até o pontificado de João XXIII, quando infelizmente, em nome do "diálogo", elas foram rareando e não encontrando mais publicidade.
De família ultra-ortodoxa
David Paul Drach nasceu em Estrasburgo no dia 6 de março de 1791, no seio de uma família judaica ultra-ortodoxa.
Recebeu a primeira educação de seu pai, quem, além de rabino, era renomado hebraísta e acadêmico talmúdico. Após passar algum tempo em várias escolas talmúdicas, aos 16 anos se tornou professor em Rappoltsweiler (em francês Ribeauvillé), antiga cidade alsaciana. Doutorou-se muito jovem em Direito e começou a ensinar em escolas judias.
Nessa época David conheceu um jovem católico cuja grande devoção, embora fosse um simples comerciário, despertou a sua curiosidade: — "Como podia o rapaz ser tão atraído por esse Jesus que, segundo os judeus, havia sido um impostor?".
Em 1812, apesar da relutância do pai, seu amor pelas ciências seculares fê-lo mudar-se para Paris, onde conseguiu um cargo de destaque no Consistório Judaico Central.
Na Cidade-Luz, David teve oportunidade de fazer sermões nas principais sinagogas, tornando-se com o tempo muito conhecido. Projetou-se de tal maneira, que obteve a mão de Sara, uma das filhas do Grão Rabino da França, Emmanuel Deutz. De seu casamento nasceram um filho e duas filhas.
Muito esforçado, David Drach logo se converteu em referência cultural da intelectualidade judia da capital cultural do mundo na época.
Tornando-se escritor, foi escolhido para dirigir as primeiras e recém-fundadas escolas primárias judias de Paris.
Contudo, o encontro com o desassombrado testemunho daquele jovem católico o marcara tão profundamente, que seus próprios correligionários perceberam. Por seu talento nos estudos bíblicos, David já havia chamado a atenção do rabino chefe da França, David Sinzheim. Este, para distraí-lo, obteve-lhe o posto de tutor na casa do rico industrial judeu de Paris, Baruch Weil.
Os bons resultados de seus métodos de ensino como tutor induziram as famílias católicas de Louis e Bernard Mertien a lhe confiarem seus filhos. "Isso pode ter tido alguma influência em sua conversão subsequente; na verdade, ele sempre manifestou alguma inclinação para o cristianismo".
O próprio Dach escreve: "Impulsionado pelos exemplos edificantes de piedade católica continuamente apresentados diante de mim para a promoção da minha própria salvação, a tendência para o cristianismo, nascida cedo na vida, adquiriu tal força que não resisti mais."
Influência do estudo da Bíblia
Foi então que o jovem judeu decidiu doutorar-se em grego e latim na Escola Normal Superior, fato incomum entre os israelitas.
Por que grego e latim? Além de seu amor pelos estudos e da grande utilidade que o conhecimento dessas duas línguas lhe proporcionaria, muitos veem nessa decisão — certamente por uma intervenção da Divina Providência — um resquício da semente que germinava em sua alma desde o encontro com o devoto comerciário católico.
"Drach iniciou o estudo do grego e do latim para conhecer as doutrinas cristãs em suas fontes originais. Ele agora se aplicou com afinco à teologia patrística e se especializou no estudo da Bíblia dos Setenta (Septuaginta), a fim de averiguar se tinham fundamento as acusações relatadas de que os tradutores alexandrinos haviam sido infiéis ao original hebraico. Esses estudos resultaram em sua crença inquestionável na divindade e no messianismo de Jesus Cristo".
Conversão, batismo e confirmação
Quando correu a notícia de que David Drach estava estudando os Padres da Igreja, os círculos judaicos da capital francesa ameaçaram-no de excomunhão e de deixá-lo sem trabalho, caso persistisse nesses estudos. "Mas já era demasiado tarde. Depois de dois anos de estudo, Drach se dera conta de que realmente todo o Antigo Testamento conduzia a Jesus de Nazaré e O apontavam claramente — aos corações sinceros e de 'boa vontade' — como o único e esperado Messias".
A consequência de tudo isso foi que, no Sábado Santo de 1823, renunciando ao judaísmo, David Drach e seus filhos receberam o Santo Batismo na Catedral Notre-Dame de Paris, das mãos do Arcebispo Dom Quélen. E, na manhã da Páscoa, a primeira Comunhão e o sacramento da Confirmação.
Comenta Nicolaus Scheid na The Catholic Encyclopedia: "O livro 'Convertitenbilder', de Rosenthal traz as seguintes palavras no prefácio da autobiografia de Drach: 'A conversão deste erudito prosélito judeu é, sem dúvida, uma das mais importantes conversões efetuadas pela graça de Deus durante este século [s. XIX] na França, e se tornou a fonte de salvação para muitos de seus correligionários'. Esta conversão, afetando alguém que gozava da mais alta estima como autor e rabino erudito, produziu uma impressão muito profunda em todas as mentes ativas e sérias da nova geração, e incitou-as ao estudo dos problemas mais sérios da vida. Seus esforços para conduzir seus correligionários à fonte viva da verdade, ao reconhecimento de Jesus como o verdadeiro e real Messias, cristalizaram-se em numerosos escritos e foram abençoados por Deus.
Drama familiar
A conversão de Drach provocou um tremendo drama familiar. Sua esposa Sara, a única pessoa da família a não se converter, enfureceu-se de tal maneira, que sequestrou os filhos e fugiu para Londres, onde os colocou sob a tutela dos poderosos Rothschild.
Quando soube do sucedido, David apelou para o célebre escritor Visconde de Chateaubriand (1768-1848), então Ministro do Exterior da França, para que o ajudasse a encontrar seus filhos. O expedido Ministro conseguiu localizar Sara em Londres e, aplicando a lei francesa, fê-la devolver as crianças ao pai, ainda que para isso tivesse sido obrigado a lançar mão de um expediente parecido com sequestro.
Diversas outra conversões
Restabelecida a ordem em casa, David pôs por escrito as razões de sua conversão. E foi nisso tão cogente e persuasivo, que um dos seus maiores opositores, seu cunhado Simão, também se fez batizar em 1823. Contudo, sua conversão não foi profunda e sincera como a de Drach, pois depois ele se "reconverteu" ao judaísmo, no qual faleceu.
"Foi o começo de uma verdadeira avalanche de conversões de judeus que, lendo seus escritos, se convenceram de que o Messias era realmente Jesus. Entre eles estava Jacob Libermann, filho de importante rabino alsaciano, que se converteu junto com quatro de seus sete irmãos. Ele se tornou sacerdote e fundou os Padres do Espírito Santo, missionários na África".
Em Roma
Alguns anos depois de sua conversão — para aprofundar-se em sua nova fé e, ao mesmo tempo, fugir das convulsões políticas de Paris que desembocariam na queda de Carlos X (1830) —, David Drach mudou-se com os filhos para Roma.
Sua fama o precedera na Cidade Eterna, onde foi nomeado bibliotecário da Sagrada Congregação da Propaganda Fide (1827), cargo que ocupou até sua morte. Consta que o futuro Papa Pio IX, eleito anos mais tarde, quis conhecer o célebre converso.
Enquanto Paulo Agostinho (1817-1895), filho de David, foi ordenado sacerdote em 1846 e se tornou um importante exegeta, suas duas filhas se fizeram religiosas na Ordem de Notre-Dame de la Charité du Bon Pasteur, de Angers.
A partir de 1842, Drach passou a colaborar com o célebre Pe. Jacques-Paul Migne, na edição de sua monumental e célebre obra sobre patrologia grega e latina.
Dois anos depois, ele publicou, em dois volumes, sua principal obra — A harmonia entre a Igreja e a Sinagoga. Em 1825 já havia escrito Carta de um rabino converso aos filhos de Israel, seus irmãos, sobre os motivos de sua conversão. E em novo livro continua o mesmo tema da Carta, com mais detalhes e grande erudição, explicando como as Escrituras falam de Jesus de Nazaré e como, com uma precisão impressionante, Deus deixou ao longo dos séculos marcas e profecias, inclusive descrições — como no Salmo 22, mostrando que Jesus, na cruz, o aplica a Si mesmo; do Servo Sofredor (Isaías 52,13-53,12), e da "Virgem" que "dará à luz" (Isaías 7,14).
David Drach faleceu em Roma, nos últimos dias de janeiro de 1868. (Fonte: Agência Boa Imprensa)