Corpo incorrupto de freira tradicionalista atrai multidões

27/11/2023

Devido à malícia dos tempos presentes e à decadência geral do espírito religioso, a Providência Divina tem restringido muito os prodígios que ocorriam com certa frequência na vida da Igreja.

Por Afonso de Souza

Foi por isso que causou sensação a notícia de que, num mosteiro localizado na zona rural do estado do Missouri (Região Centro-Oeste dos EUA), ao fazerem a exumação do corpo de sua fundadora, falecida quatro anos atrás, ele foi encontrado incorrupto.

A notícia se difundiu rapidamente pela mídia. Multidões de fiéis e curiosos se sentiram atraídos e acorreram ao local para contemplar o prodígio ou rezar diante dos restos mortais da religiosa.

Trata-se da Madre Wilhelmina (Guilhermina) Lancaster, OSB, fundadora das Irmãs Beneditinas de Maria, Rainha dos Apóstolos, Ordem religiosa que segue o rito litúrgico tradicional da Igreja.

Fenômenos místicos em sua infância

Segunda de cinco filhos de pais genuinamente católicos de origem afro-americana, Maria Elisabeth Lancaster foi educada com esmero na santa religião de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Uma de suas primeiras lembranças foi a de ter visto Nossa Senhora quando tinha apenas dois anos de idade. Aos sete anos, ela estava brincando com seus irmãos, quando parou e os convidou a rezar o Rosário. Como eles se recusassem, a mãe aconselhou-a a fazê-lo privadamente. Enquanto ela rezava, Nossa Senhora lhe apareceu novamente[i].

Outro fenômeno místico ocorrido com Maria Elisabeth é assim por ela narrado em sua autobiografia: "No dia 2 de abril de 1934 [quando], fiz minha Primeira Comunhão, [tive] uma experiência inesquecível quando Nosso Senhor me perguntou se eu seria d'Ele. Ele aparecia como um homem tão bonito e maravilhoso, que concordei imediatamente. Então Ele me disse para encontrá-Lo todos os domingos na Santa Ceia [Sagrada Comunhão]. Eu não disse nada sobre esta conversa a ninguém, acreditando que todos os que foram à Santa Comunhão ouviram Nosso Senhor falar com eles".

Vocação religiosa

Maria Elisabeth fez o primário na escola pública, onde era objeto de caçoada por ser a única aluna católica entre seus companheiros batistas e metodistas.

Por isso, quando chegou a época de entrar no ginásio, seus pais, "que não queriam que eu fosse para o colégio público, puseram mãos à obra e fundaram o Ginásio Católico São José para negros, que durou até o Arcebispo Ritter pôr fim à segregação dos negros em sua diocese".

Quando, aos 13 anos, ela fez a Primeira Comunhão, o vigário lhe perguntou se tinha pensado alguma vez em ser religiosa. Embora não tivesse, ela se sentiu tomada pela ideia. E escreveu às Irmãs Oblatas da Providência de Baltimore pedindo admissão. Essa era a única Ordem religiosa para mulheres negras ou hispanas nos Estados Unidos, dedicada à educação de crianças de sua raça. Como era muito nova, foi-lhe dito que aguardasse concluir o ginásio.

Realmente, quando aos 17 anos se graduou no ginásio como a melhor estudante da turma, Maria Elisabeth foi recebida entre as Oblatas.

Verdadeira Devoção a Nossa Senhora

Ao entrar no convento em Baltimore, ela narra: "Naquele dia de setembro, quando entrei pela primeira vez na capela do noviciado, aquele mesmo Senhor que falou comigo na minha Primeira Comunhão, acolheu-me com amor, colocou seus braços em volta de mim, e prometeu que a partir de então eu seria dele."

Para o nome de religiosa, ela escolheu "Wilhelmina do Santíssimo Rosário", em recordação do Pe. Guilherme, que lhe sugerira abraçar esse estilo de vida, e por sua profundíssima devoção a Nossa Senhora.

Nos dois anos de noviciado — que ela afirma terem sido "tempos felizes" —, deu mais um passo na devoção mariana: "Conheci com uma colega noviça a Verdadeira Devoção a Maria ensinada por São Luís de Montfort". Entusiasmada, ela pediu licença à Mestra de Noviças para fazer essa consagração como escrava a Nossa Senhora. A Mestra lhe respondeu que todas as Irmãs eram escravas da Santíssima Virgem, mostrando-lhe a correntinha com a Medalha Milagrosa que traziam ao pescoço.

Logo depois dos primeiros votos, a Irmã Guilhermina foi destinada ao magistério. Contudo, não era o que desejava, conforme afirma: "Durante os 22 anos entre 1944 e 1966, tive um período curto e feliz nas tarefas domésticas — principalmente limpeza — na Residência de Rita, em Saint Louis, e depois na Casa Santa Francisca para meninas, onde aprendi que as crianças tinham preocupações e corações partidos."

Mal-estar com as mudanças na Igreja

A Irmã Guilhermina via com tristeza as mudanças decorrentes do Concílio Vaticano II. À medida que essas mudanças se aprofundavam em sua Ordem, ela protestava: "Naquela altura eu não pensava nem desejava deixar minha comunidade, mas estava ansiosa por vê-la reformada. Tínhamos feito um caminho errado, dizia eu, e devíamos voltar atrás. A regra do silêncio e o capítulo mensal tinham desaparecido havia muito tempo. As Irmãs foram convidadas […] a apresentar uma substituição ou uma melhoria do Capítulo. Escrevi algo e entreguei, mas nunca mais ouvi falar disso". Quer dizer, as superioras não quiseram voltar atrás.

Em dezembro de 1972, ela escreveu novo estudo, intitulado há luz no fundo do túnel?', o qual causou grande agitação. Sugeria que as Oblatas se reconhecessem como uma unidade com três vertentes, uma das quais seria a vertente contemplativa. "A minha sugestão irritou aquelas que queriam que abandonássemos completamente o hábito. Outras, que não estavam tão longe assim, viam a vida contemplativa como algo medieval, perigoso e injusto." Com isso suas sugestões não foram ouvidas.

Ela comenta, desanimada: "Não via nada à minha frente, a não ser a perseverança silenciosa na comunidade até à minha morte."

Foi então que a Irmã Guilhermina teve conhecimento da chegada a Scranton, na Pensilvânia, de sacerdotes que seguiam a liturgia tradicional. Foi visitá-los e se entusiasmou: "Estava decidida a voltar a assistir à Missa tradicional em latim, tanto quanto possível."

Fundadora

A Irmã Guilhermina foi convidada a formar com outras duas religiosas uma comunidade seguindo a liturgia tradicional, o que se deu em 27 de maio de 1995. Assim, depois de permanecer 50 anos nas Irmãs Oblatas da Providência, ela deixava formalmente essa comunidade para fundar na Diocese de Scranton as Irmãs Beneditinas de Maria, Rainha dos Apóstolos.

Segundo os desejos da fundadora, a nova comunidade deveria ser totalmente consagrada a Nossa Senhora segundo a observância regular existente antes do Concílio, e teria um caráter contemplativo marcadamente mariano, com ênfase na oração pelos sacerdotes, de acordo com a Regra de São Bento.

Escreve a Irmã Guilhermina a respeito das regras que as religiosas deveriam observar: "O uso do hábito uniforme, a entrega de todo o dinheiro a um ecônomo comum, a obediência à autoridade legal em todos os departamentos, a guarda do recinto e dos tempos e lugares de silêncio, e a convivência em uma autêntica vida fraterna."

Ainda fiéis à Fundadora

Não podendo nos estender mais longamente sobre a vida da Irmã Guilhermina, limitamo-nos a dar outros dados sobre sua Ordem ao longo dos anos.

Fundada em Scranton, a nova congregação recebeu e aceitou em 2006 o convite para trasladar-se para a diocese de Kansas City-São José, no Missouri. Ali, em 2018, foi consagrada sua Abadia de Nossa Senhora de Éfeso, tendo como primeira abadessa Madre Cecília Snell, OSB, a quem a Irmã Guilhermina obedecia. Em 2019, sete Irmãs fundaram o Mosteiro de São José, em Ava, também no Missouri.

As Irmãs Beneditinas conservam ainda hoje muito do espírito da Fundadora, como se lê em seu site: "O nosso trabalho principal é de natureza espiritual, nomeadamente a oração. Esforçamo-nos por estar unidas a Nossa Senhora aos pés da Cruz, procurando acima de tudo uma vida de união com Deus, tal como é guiada pela Regra de São Bento. Esforçamo-nos por imitar o que Nossa Senhora foi para a Igreja primitiva — um apoio amoroso e orante para todos. Dando-nos e partilhando a nossa vida simples de oração e trabalho, esperamos levar muitas almas a Deus. A Missa é o centro da nossa espiritualidade e o ponto focal místico do dia. Temos o privilégio de assistir diariamente … a liturgia que a Igreja guardou ciosamente durante séculos."

As Irmãs devotam aproximadamente cinco horas diárias ao cântico da Missa e à recitação do Divino Ofício, tudo em latim, que devidamente gravados são objeto de admiração dos amantes do canto gregoriano da Igreja.

Post-mortem da Irmã Guilhermina

A Irmã Guilhermina faleceu no dia 29 de maio de 2019, vigília da solenidade da Ascensão, e foi sepultada no terreno do convento. Quatro anos mais tarde, exatamente na solenidade da Ascensão segundo o rito latino, Madre Cecília decidiu trasladar o corpo Irmã para uma capela no interior do mosteiro, como se fazia com as fundadoras.

Ao desenterrar o caixão de madeira, apesar de haver nele uma fenda no meio que deixara entrar umidade e sujeira, em vez dos ossos, como esperavam, as irmãs encontraram o corpo notavelmente bem conservado, apesar de não ter sido embalsamado.

Elas relatam: "Não só seu corpo estava num estado de conservação notável, como a sua coroa e o ramo de flores estavam secos no lugar; a vela da profissão com a fita, o crucifixo e o rosário estavam todos intactos."

Ao que acrescenta Madre Cecília: "Ainda mais notável foi a preservação completa de seu hábito sagrado, feito de fibras naturais, pelo qual ela lutou tão vigorosamente durante toda a sua vida religiosa. O seu véu sintético estava perfeitamente intacto, enquanto o forro do caixão, feito de material semelhante, estava completamente deteriorado e desapareceu."

Com efeito, a Madre Cecília ressalta que a Irmã Guilhermina "passou muitos anos lutando pelo hábito", dizendo que esta veste representa para a religiosa ser uma noiva de Cristo.

Enfim, a falecida é recordada em sua comunidade por seu amor à Virgem Maria. Pelo que, afirma Madre Cecília, "o que ela diria a todos que vêm aqui [atraídas por seu corpo incorrupto]: Rezem o Rosário. Não se esqueçam de rezar o Rosário. Amem a Santíssima Mãe. Ela vos ama". (Fonte: Agência Boa Imprensa)