O demônio da falsa obediência

19/01/2025

"Ai dos príncipes da Igreja que se dedicaram a salvaguardar sua autoridade e a dominar com orgulho" (Nossa Senhora de La Salette)

Por Tomás I. González Pondal 

Vamos combinar que, se um general enfrentando mil bravos guerreiros coloca um punhado de cem garotas bêbadas na linha de frente, é bastante absurdo então agarrar seu cabelo e exclamar: "Oh... o que aconteceu? Nós perdemos! Definitivamente, o general não estava em sã consciência ou, estando em sã consciência, queria deliberadamente perder a batalha, o que equivale, em outras palavras, a querer que o inimigo vença. Se este último ocorrer, há várias consequências e qualificações que aguardam a autoridade militar que traiu a sua.

Diante do exposto, uma frase poderia ser cunhada: "Diga-me quem você escolhe e eu lhe direi o que você leva", porque se para o confronto selvagem o fraco e desonesto for escolhido, o triunfo é tirado.

Há alvoroço nos Estados Unidos e em algumas partes do mundo porque Francisco nomeou o megaprogressista, cardeal Robert W. McElroy, como arcebispo de Washington. As posições públicas do clérigo são, como esperado, aplaudidas pelo mundo: ele apóia as diretrizes LGBT; ele apóia que políticos pró-aborto (Biden, por exemplo) possam receber a comunhão; ele apóia a ideia de que Biden é um homem de fé; defende que a legislação sobre o aborto é algo "prudente"; apóia a ideia de que o Islã não é uma religião violenta e apóia a ideia de que a Estátua da Liberdade é um sinal majestoso e esperançoso. Claro, o referido Cardeal encontra seu caminho progressista protegido por guias que souberam defender algumas das posições mencionadas; seu brasão episcopal pode se alegrar em levar o nome desse documento emanado do Vaticano II e com títulos obscuros, Dignitatis Humanae, e sua posição sobre os políticos do aborto admitidos à Comunhão – algo que ele expandiu em um ensaio de sua autoria – é endossada por exemplos de João Paulo II distribuindo a Eucaristia a líderes políticos a favor do aborto.

Quem clamou pela eleição sombria de Francisco e pronta para Washington foi o monsenhor Joseph Strickland, que não faz muito tempo foi demitido pelo referido Pontífice. Acontece que clérigos como Strickland, que não apenas abrem os olhos, mas também buscam com bom ânimo que os outros os abram, acabam reconhecendo o magnífico, o muito forte e o martírio do grande defensor da Tradição Católica, Monsenhor Marcel Lefebvre, tão injustamente julgado, tão incansavelmente sujo, tão malévolo deixado de lado. Daí as palavras de Strickland: "Dom Lefebvre viu que a Igreja estava passando por uma profunda crise de fé devido à infiltração do modernismo e do liberalismo. Senti que havia uma tentativa ativa de arrancar as tábuas da escada e substituí-las pelas tábuas do mundo. Strickland também observou: "Não há dúvida de que, com a Nova Missa, o foco em Jesus Cristo foi reduzido. Testemunhamos uma negligência drástica da Presença Real de Jesus Cristo que atinge o nível de blasfêmia em muitos casos desde o Vaticano II. Outro: "Quando a liturgia mudou seu foco para o povo e para longe de Jesus Cristo, abriu a porta para extrema negligência de Sua Presença Sagrada". Mais um: "É um fato que a Missa Nova representou uma ruptura em séculos de continuidade litúrgica".

Francisco também, em um claro slogan anticatólico e mundano, nomeia pela primeira vez em toda a história da Igreja uma mulher para um dicastério. Foi a religiosa Simona Brambilla que veio a ser nomeada Prefeito do "Dicastério para a Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica". Há algum tempo, vimos outra de suas escolhas para um cargo-chave: nomeou Víctor Manuel ("Tucho") Fernández como prefeito do "Dicastério da Fé", e já estamos vendo do que se trata a "fé" modernista, que é capaz até de lançar um documento em favor da contranatura. E o que o bispo de San Luis, Argentina, Dom Gabriel Barba, tem a ver com isso? Foi outra escolha-chave de Francisco, tendendo a varrer - na medida do possível definitivamente - "o que cheira a Tradição Católica". E se San Luis era a única Província em todo o mundo ocidental que não dava a comunhão na mão, é claro que era necessário unificar as tropas!, então o portuenho foi nomeado para cumprir a tarefa, tarefa que, sem demora, foi um de seus primeiros golpes de machado.

Você verá o motivo do meu relacionamento duplo, um relacionamento que agora chamaremos de Teste Anti-Tradição Barba-McElroy, é claro, mais um entre muitos. E o que isso prova? A posição papal clara que não luta pela Tradição Católica, mas sim por varrê-la, mostrando apoio irrestrito ao modernismo copiosamente alimentado pelo liberalismo e pela Maçonaria. Milhões de vezes pior do que a autoridade militar, porque o inimigo de quem a autoridade eclesiástica é amiga perde almas.

Monsenhor Joseph Strickland pede a todos os bispos do mundo que abram os olhos, defendam a Tradição Católica, se oponham ao avanço das novidades modernistas. Acho que ele está pedindo algo que não vai acontecer. Por que? Pelo que chamo de atuação do 'demônio da falsa obediência'.

O mencionado espírito do mal não é outro senão o próprio Satanás, o mentiroso por excelência, o pai do engano. O modernismo é sua obra culminante de destruição: ele combinou nela a tentação adâmica de "sereis como deuses", com o desprezo superlativo praticado pelo farisaísmo, que com tanta cegueira disse a Cristo que Ele era o endemoninhado, e eles buscaram e chegaram à sua morte. Graças ao modernismo, as pessoas aprenderam a acreditar em si mesmas como Deus a ponto de projetar a religião como quisessem, e graças ao modernismo, o farisaísmo eclesiástico tem perseguido a Cristo, insultando-o principalmente na Divina Eucaristia e em Seus ministros mais fiéis. O demônio da falsa obediência move o silêncio e permite, tanto quanto possível, o sussurro que não deve sair das quatro paredes. Leva a falsas considerações e confunde prudência com cumplicidade. Move a falsa obediência, tornando-a co-fundada com a virtude, e até mesmo fazendo alguns acreditarem que ela não pode ser dada diretamente. Leva-nos a ver irregularidade no que é certo, e retidão no que é irregular: as obras do modernismo são pelo menos irregulares, de modo que é equivocado exigir regularidade canônica de quem quer salvar a alma, partindo de uma lei canônica irregular e tirando dela pinças que procuram restringir esse caminho de salvação. Ele se move com raiva e insistência incansável e em uma direção infernal maciça, para menosprezar Monsenhor Marcel Lefebvre, porque sabe que defendeu o ar puro do catolicismo (o Rev. Fr. Malachi Martin, um padre exorcista já falecido e que jogou o modernismo fora de sua vida e aderiu à Tradição Católica, chegou a dizer o seguinte: "Eu não acho que alguém poderia ter se livrado da presença satânica na Igreja tanto quanto Marcel Lefebvre.") Leva-nos à irresolução, alimentada por uma gama quase infinita e labiríntica de considerações pseudo-paliativas da consciência, tecidas em hermenêutica de continuidades ilusórias.

No demônio da falsa obediência vejo como muito cumpridas as palavras de N. Sra. de La Salette: "Lúcifer com um grande número de demônios será solto do inferno. Eles abolirão a fé pouco a pouco, mesmo entre as pessoas consagradas a Deus; Eles vão cegá-los de tal maneira que, a menos que de uma graça particular, essas pessoas tomarão o espírito daqueles anjos maus.

Cuidado com a falsa obediência e falsas interpretações. São Francisco de Sales já dizia: "Muitos cometeram erros graves... acreditar que a obediência consiste em fazer tola e loucamente o que nos pode ser ordenado, mesmo que seja contra os mandamentos de Deus e da Igreja; em que se enganam gravemente (...) porque em tudo o que diz respeito aos mandamentos, os superiores não têm poder para dar ordem contrária e os inferiores nunca têm a obrigação de obedecer nesse caso, pelo contrário, se obedecessem, pecariam" (Palestras Espirituais, cap. IX). O Papa Leão XIII já o martelava: "Quando falta o direito de mandar, ou algo é ordenado contra a razão, contra a lei eterna ou contra os mandamentos divinos, então desobedecer aos homens por obedecer a Deus torna-se um dever" (Encíclica Encíclica). Libertas praestantissimum). Dom Marcel Lefebvre já recordava a sã doutrina sobre a virtude que é bem conhecida: "Os princípios que determinam a obediência são tão bem conhecidos e de acordo com a sã razão e o bom senso que podemos nos perguntar como algumas pessoas inteligentes podem afirmar que 'preferem estar erradas com o Papa do que estar na verdade contra o Papa'. Não é isso que a lei natural ou o magistério da Igreja nos ensinam. A obediência supõe uma autoridade que dá uma ordem ou prescreve uma lei. Homens investidos de poder, mesmo que tenham sido investidos por Deus, têm autoridade apenas para capacitar seus subordinados a atingir o propósito designado por Deus. Consequentemente, quando uma autoridade usa seu poder contra a lei natural ou divina, ela não tem o direito de ser obedecida e deve ser desobedecida. Admite-se a necessidade de desobediência a um pai de família que incentiva sua filha à prostituição, ou à autoridade civil que obriga os médicos a induzir abortos e matar inocentes, mas a autoridade do papa é aceita a todo custo sob o pretexto de que é inefável em seu governo e em todas as suas palavras. Isso é claramente ignorar a história e ignorar o que realmente é infalibilidade. São Paulo exortou os fiéis a não obedecerem a si mesmo se alguma vez pregasse um evangelho diferente daquele que havia ensinado anteriormente. (Gl 1:8). Deve-se ter em mente, porém, que, no caso de ameaça para a fé, os superiores devem ser repreendidos até publicamente por seus súditos. Veja aqui o que o Papa Leão XIII diz: "Quando falta o direito de mandar, ou algo é ordenado contra a razão, contra a lei eterna ou contra os mandamentos divinos, então desobedecer aos homens por obedecer a Deus torna-se um dever" (Decreto Encíclico). Libertas praestantissimum). Nossa desobediência é motivada pela necessidade de manter a fé católica. As ordens que nos foram dadas expressam claramente que devem obrigar-nos a submeter-nos sem reservas ao Concílio Vaticano II, às reformas pós-conciliares e às prescrições da Santa Sé; isto é, a orientações e atos que corroem nossa fé e destroem a Igreja, algo impossível de admitir. Colaborar em sua destruição é traí-lo e a Nosso Senhor Jesus Cristo".

Alguém insistirá que "não existe boa desobediência", assim como alguém pode alegar que não existe "boa raiva". Mas, como há uma raiva louvável de acordo com o Doutor Angélico ("ficar com raiva de acordo com a reta razão é louvável"), por analogia ouso falar de uma boa desobediência. E não é uma virtude teologal, mas uma virtude que, como São Tomás explica muito claramente, pode ser arruinada por defeito ou excesso. E Tomás de Aquino exemplifica o caso do excesso obedecendo "a quem não se deve ou no que não se deve, como se diz quando se fala de religião"; ensinando também que "às vezes os preceitos dos superiores vão contra Deus. Portanto, eles não devem ser obedecidos em tudo. Agora, "não obedecer em tudo" equivale a "desobedecer em algo". Citando São João Crisóstomo, São Tomás diria: "Ser paciente com os próprios ferimentos é louvável; mas esconder injúrias contra Deus é muito ímpio"; daí deduzo – também por analogia – que "obedecer ao que vai contra Deus é muito ímpio". Mas se alguém ainda insiste que não há direito em desobedecer algumas coisas, preferimos deixá-lo com as palavras de alguém que em nossos tempos não é apenas um doutor em teologia, mas, ouso dizer, um santo: "Aqueles que quiserem permanecer católicos serão perseguidos por aqueles que, tendo autoridade na Igreja, se afastam da fé. Eles gostariam de nos arrastar junto com eles, e como nós os desobedecemos, porque não queremos perdê-lo como eles, eles nos perseguem" (Arcebispo Marcel Lefebvre).

Chegamos a um ponto histórico em que o 'Mistério da iniqüidade' de que nos falam os Santos Evangelhos está bem desenvolvido, um 'Mistério' no qual há a grande apostasia e o farisaísmo eclesiástico que não tem medo de "misericórdia" de alguns com a excomunhão. 'Mistério' cuja entidade é tão única, que outros muito bem-intencionados são levados a adotar soluções nas quais tentam explicar praticamente uma ordem matemática, de algo que precisamente, dito pelo Espírito Santo, entra na ordem do misterioso. É por isso que acho oportuno recordar aqui as sábias palavras do Arcebispo Straubinger falando da primeira aparição de Satanás na terra e de "sua audácia em penetrar no jardim de Deus, o paraíso, e realizar seu ataque contra o próprio centro do Reino de Deus que estava em seus primórdios. Da mesma forma, ele também entrou no colégio mais sagrado do mundo, o dos apóstolos, por meio de seu representante Judas. Temos certeza de que o enorme sucesso que ele teve com esse método o induziu a segui-lo e aperfeiçoá-lo. É por isso que, se quisermos localizar Satanás, não devemos procurá-lo no deserto, mas nos centros e nos pontos nevrálgicos e bem disfarçado de anjo de luz. Só assim o mistério da apostasia pode ser explicado sob as formas de piedade, das quais São Paulo fala em II Tessalonicenses 2:3.

O caso do cardeal Robert W. McElroy nos Estados Unidos e o de monsenhor Gabriel Barba em St. Louis, ambos escolhidos por Francisco, provam na realidade inconclusiva, repito, a oposição à Tradição Católica e o desejo de varrê-la, seja diretamente por meio de um golpe ou por uma forma indireta de distorção.

Diante de tudo o que foi referido até agora, penso que não devemos cair na consideração errônea de que tudo começa com as eleições de Francisco. De modo algum. Aqui limitar-me-ei apenas a destacá-los como mais uma prova de muitos outros que se verificaram principalmente a partir do Concílio Vaticano II. E em demonstração do que foi afirmado, atrevo-me a dizer sem sombra de dúvida, que muito pior do que McElroy foi na época a escolha de Anniballe Bugnini por Paulo VI. Paulo VI, junto com Anniballe Bugnini, foram os grandes responsáveis por plantar uma semente de frutos destrutivos como nunca existiu.

Diga-me quem você escolhe, e eu lhe direi o que você tira: você escolhe o pecado, você tira a graça; você escolhe o vício, você tira a virtude; você escolhe o mundo, você tira o céu; escolheis o falso ecumenismo, tirais a verdadeira unidade; você escolhe o modernismo, você tira a Tradição Católica.

O padre sulpiciano François Amiot – tão elogiado pelo teólogo R.P. Roger Thomas Callel – falando dos tempos da grande apostasia, afirma que haverá "uma luta gigantesca que, em meio a alternativas, avanços e retrocessos, a Igreja terá que travar até a chegada do Salvador (...). A atividade de Satanás e seus seguidores, apesar de seus falsos milagres, seduzirá apenas aqueles que não sentem em seus corações o amor da verdade, a quem Deus consequentemente entregará à sua ofuscação culpada.

Não muito tempo atrás, Padre Pio de Pietrelcina disparou: "A sociedade de hoje não reza porque isso está desmoronando". Pois bem, peça à amada Mãe, a Bem-Aventurada Virgem Maria, destruidora de toda heresia, que nos liberte logo do modernismo. Peça ao Glorioso Patriarca São José, cujo papel nestes tempos finais é capital, como 'Terror dos demônios' para nos defender contra o demônio da anestesia, e para comandar e amarrar ele e seus capangas no lago sulfuroso. (Fonte: Adelante La Fe)