O herege exclui a si mesmo da Igreja
O herege exclui a si mesmo da Igreja, "sendo condenado pelo seu próprio julgamento"
Em artigo anterior, mostramos a gravidade do pecado de heresia e como um ensinamento ambíguo leva à heresia ou já a contém. De acordo com São Tomás de Aquino, o pecado da heresia participa do mais grave dos pecados — o ódio a Deus, que "é principalmente um pecado contra o Espírito Santo".
Por Luiz Sérgio Solimeo
Também mostramos como um herege usa as sombras da ambiguidade para enganar os fiéis e evitar a condenação, e como é necessário desmascarar a heresia oculta em proposições ambíguas. Uma vez que essas proposições podem com frequência ter um bom significado, juntamente com um significado mau, para averiguar o seu verdadeiro significado, não basta examinar as palavras. Cumpre também levar em conta os atos, gestos, atitudes e omissões do autor. Se eles corroborarem o mau significado, pode-se legitimamente concluir que esse é o verdadeiro sentido das declarações ambíguas.
Finalmente, mostramos a falácia em sustentar que um herege ambíguo não pode ser condenado, em virtude do princípio jurídico in dubio pro reo. Uma vez que a heresia subjacente à proposição ambígua foi exposta, seu verdadeiro significado errôneo se torna claro e ela deixa de ser uma proposição duvidosa.
Neste artigo, apresentaremos algumas consequências teológicas e canônicas do pecado de heresia, especialmente a sua incompatibilidade com a jurisdição eclesiástica.
A. RECORDANDO ALGUMAS NOÇÕES SOBRE A HERESIA
1. O que é "heresia"
De acordo com o cânon 1325 do Código de Direito Canônico de 1917, herege é aquele que, depois de ter sido batizado e ainda se declarar cristão, nega ou duvida com pertinácia uma verdade que deve ser crida com fé divina e católica.
De acordo com o cânon 751 do Código de 1983, "chama-se heresia a negação pertinaz, após a recepção do batismo, de qualquer verdade que se deva crer com fé divina e católica, ou a dúvida pertinaz a respeito dela".
2. Delito canônico de heresia
Embora seja um grave pecado contra a fé, a heresia interna (oculta) não produz efeitos canônicos.
Para que a adesão à heresia tenha efeitos jurídicos é necessário que ela se manifeste externamente, por meio de palavras — orais ou escritas —, ou através de atos, gestos, atitudes ou ambigüidades e omissões.
Neste caso, a heresia será um delito canônico, o qual pode ser notório de duas maneiras: por notoriedade de direito (depois da sentença de juiz competente, que tenha passado em julgado, ou da confissão do delinqüente) ou por notoriedade de fato, "se é publicamente conhecido e foi cometido em tais circunstâncias que não pode ser ocultado com nenhum subterfúgio nem pode caber escusa dele ao amparo do direito".
3. Heresia e perda do ofício eclesiástico
A punição para o delito de heresia é a excomunhão automática (cânon 1364). Para os eclesiásticos, além da excomunhão, a adesão à heresia implica a perda do ofício eclesiástico pelo próprio Direito — ipso iure (cânon 194).
Juan Ignacio Arrieta,[8] professor da Universidade de Navarra, comenta que a ação da autoridade competente, de que trata o §2 desse cânon,[9] "é declarativa, e se faz necessária, não para provocar a vacância de direito do ofício, e sim para que se possa exigir juridicamente a remoção […] e consequentemente se possa levar a cabo a colação do novo titular."
Em outras palavras, a perda do ofício eclesiástico é automática. A declaração da autoridade competente é necessária simplesmente para confirmar que o ofício está vago e pode ser preenchido por outra pessoa.
4. Renúncia tácita: incompatibilidade entre heresia e jurisdição eclesiástica
O cânon 188 do Código de Direito Canônico de 1917, afirma que defender a heresia constitui uma renúncia tácita:
"Em virtude de renúncia tácita admitida pelo mesmo direito, ficam vacantes ipso facto, e sem nenhuma declaração, quaisquer ofícios, se o clérigo: … 4.º Defecciona publicamente da Fé Católica".
Segundo São Roberto Belarmino, todos os antigos Padres ensinam que "os hereges manifestos perdem imediatamente toda a jurisdição".
Ou seja: alguém que deixou de ser membro da Igreja, por causa da heresia manifesta, não pode gozar de nenhuma jurisdição. Pois heresia e jurisdição eclesiástica são incompatíveis.
5. Pertinácia e heresia
O acima exposto não se aplica a um herege puramente material, que cai em erro por ignorância ou inadvertência. Pelo contrário, é a sorte do herege pertinaz; ou seja, aquele que adere a um erro contrário à Fé ou duvida persistentemente de uma verdade de fé, com pleno conhecimento e plena advertência.
Para haver pertinácia, no sentido teológico-canónico, não são necessárias várias advertências, nem uma prolongada obstinação no erro.
Este é, entre outros, o ensinamento de Adolphe Tanquerey (1854-1932): "Para que haja pertinácia não é necessário que a pessoa seja admoestada várias vezes e persevere por muito tempo na sua obstinação, mas basta que ciente e voluntariamente [sciens et volens] negue o assentimento a uma verdade proposta de modo suficiente, quer o faça por soberba, quer pelo gosto de contradizer, quer por outra causa".
O cardeal Juan de Lugo (m. 1660) explica a razão pela qual as advertências nem sempre são necessárias para caracterizar a pertinácia: "Também no foro externo nem sempre se exige a advertência e a repreensão prévia para que alguém seja punido como herege e pertinaz […]. Pois se de outro modo puder constar, dada a própria notoriedade da doutrina [por ela professada], a qualidade da pessoa e outras circunstâncias, que o réu não poderia ignorar a oposição daquela doutrina à [da] Igreja, por esse próprio fato será considerado herege. […] "
B. O HEREGE EXCLUI A SI MESMO DA IGREJA
Ao aderir à heresia, o herege exclui a si mesmo da Igreja. Como diz São Paulo, ele é "condenado por seu próprio julgamento" (Tito 3: 10-11).
Comentando este texto de São Paulo, diz São Jerônimo: "Por isso se diz que o herege condenou a si mesmo; porque o fornicador, o adúltero, o assassino e os outros pecadores são expulsos da Igreja pelos sacerdotes; mas os hereges pronunciam sentença contra si mesmos, excluindo-se da Igreja espontaneamente; exclusão esta que é a sua condenação pela própria consciência ".
Santo Agostinho comenta na mesma linha: "Separai-vos dos membros da Igreja! separai-vos de seu Corpo! Mas por que dizer a eles que se separem da Igreja quando já o fizeram? Com efeito, eles são hereges; eles já estão fora da Igreja".
Finalmente, o Papa Pio XII afirma que "nem todos os pecados, embora graves, são de sua natureza tais que separem o homem do corpo da Igreja, como fazem os cismas, a heresia e a apostasia".
C. CONCLUSÃO
O herege exclui-se da Igreja, e nenhuma intervenção é necessária por parte da Autoridade. O herege dita a sua própria sentença condenatória.
O abandono da fé católica implica uma renúncia tácita de qualquer ofício eclesiástico, já que aqueles que deixaram de fazer parte da Igreja não podem gozar de jurisdição nela.
A importância dessa doutrina teológico-canônica não é estritamente acadêmica. É crucial no estudo da hipótese teológica de um papa herético, como será visto em um artigo posterior. (Fonte: "Agência Boa Imprensa")