Em 2019, o
Vaticano apresentou
a sua primeira associação desportiva,
denominada "Athletica Vaticana",
uma equipe de atletismo composta
por padres, freiras e empregados da Santa Sé.
Segundo o Vaticano, com esta iniciativa
"se visa demonstrar que o desporte pode
ser um instrumento de solidariedade"
Essa
preocupação foi compartilhada até pelo promotor das Olimpíadas modernas, o
francês Pierre de Coubertin, que em carta de fevereiro de 1930 ao Papa Pio XI
pediu-lhe que reiterasse a posição do Vaticano em relação aos espetáculos
esportivos femininos e, em particular, condenasse tanto os esportes violentos
para moças como aqueles através dos quais elas se masculinizavam ("montar a
cavalo como os homens"), ajudando-o a acabar com algumas competições esportivas
juvenis (individuais e coletivas) que, a seu ver, apresentavam tendências
perturbadoras.
Essa
posição severa do Vaticano em relação aos eventos esportivos públicos com
participação de atletas do sexo feminino — acarretando, por exemplo, que a
equipe italiana nas Olimpíadas de Los Angeles de 1932 não incluísse mulheres,
por causa da oposição do Papa Pio XI — originou uma polêmica, em fins de 1933,
entre L'Osservatore Romano, órgão oficioso da Santa Sé, e o já
mencionado órgão fascista Il Littorale, que na época servia de
porta-voz do Comitê Olímpico Nacional Italiano.
O
jornal vaticano havia definido as exibições públicas de esporte feminino como
"irracionais" e "moralmente danosas", enquanto ensinam "à mulher, à moça, não
só o lançamento do dardo, mas de si própria", pelo que se veem "despojadas da
sua graça e do seu pudor". Num artigo posterior, o jornal reprova que se exija
de mocinhas realizar "exercícios não condizentes com a compostura e a graça
femininas", sobretudo quando eles se "executam em público".
Como
um jornal esportivo havia perguntado anteriormente "se são mesmo
imorais esses tantos centímetros de pele que as modas bizarras do mundo inteiro
mostram, a cada esquina, em todas as ruas", L'Osservatore
Romano aproveitou a ocasião para replicar: "No caso, os
'centímetros' correspondem à nudez da maior parte do corpo, nas 'ruas' e nos
estádios públicos."
O
Comitê Olímpico respondeu que, de um lado, o regime fascista permitia
apenas "aqueles exercícios nos quais, nos Jogos Olímpicos modernos, as
mulheres foram admitidas com honra", ou seja, "florete na esgrima,
patinação artística, ginástica coletiva, algumas provas de natação e tênis",
e reiterava que "proibiu peremptoriamente apresentações públicas de
futebol feminino, como já havia feito com o boxe no passado".
A
respeito do escândalo moral, o Comitê punha sua esperança — inteiramente
naturalista e desconhecedora do pecado original — na "maturidade" de
um público "composto na sua maioria por esta nova juventude italiana",
a fascista, "cuja modéstia instintiva e natural é em grande parte o
resultado de uma saúde não falaciosa, adquirida ou restaurada mediante a
prática de educação física".
As
autoridades esportivas do regime reconheciam a possibilidade de que, nas
arquibancadas das competições femininas, alguns homens "antiesportivos" —
os "doentes" e os "viciosos" — estivessem à
espreita para "surpreender algo visto e invisível (e muitas vezes
apenas 'imaginado') que saciasse a sua miserável humanidade"; alegava,
porém, que tais homens "infiltram-se por toda a parte", não só no
estádio, mas também "na Casa de Deus".
Finalmente,
para desacreditar o jornal do Vaticano, Il Littorale publicou
uma carta enviada à direção, supostamente escrita por "algumas moças
fascistas e ferventes católicas de uma cidade da Lombardia", alegando
que depois que começaram a praticar esportes, não iam mais aos bailes ou ao
cinema, nem se interessavam por frivolidades, um resultado moral muito
bom, "mesmo que para nos movimentarmos melhor ponhamos calções de
ginástica; as anáguas, aliás, sempre faziam cair as varas de salto em altura".
Adiantando-se
um século aos jovens "unissex" de hoje, essas moças fascistas e
pseudo-católicas dos anos 1930 argumentavam também o seguinte: "É
estranho como os homens nos parecem diferentes quando se trata de esportes.
Nunca os vemos como homens e eles nunca nos veem como mulheres: somos
simplesmente camaradas tentando superar uns aos outros."
Terminavam
a falaciosa missiva dizendo que um sacerdote escrupuloso do vilarejo havia
reprovado sua prática esportiva, a qual podia servir de ocasião de mal a
outrem, mas que "as nossas mães nos aconselharam então a ir a outro
padre, mais moderno, que compreendesse melhor as necessidades dos jovens, e ele
não só nos deu permissão como nos elogiou" — e, provavelmente,
foi quem redigiu a carta…
O
Brasil não ficou alheio a essa ofensiva a favor do esporte feminino. Nas festas
juninas de 1921, houve uma partida entre senhoritas dos bairros Tremembé e
Cantareira (na zona norte de São Paulo) noticiada pelos jornais da época como
uma atração "curiosa", quando não "cômica". Porém, mesmo um grande promotor do
futebol, o romancista maranhense Henrique Maximiliano Coelho Netto — pai do
Preguinho, autor do primeiro gol brasileiro em copas do mundo, em 1930 —
rejeitava energicamente o futebol feminino: "Certamente ninguém exigirá
da mulher que jogue o football ou o rugby, que
esmurre antagonistas com o guante de boxe, que arremesse barras de ferro, que
se engalfinhe em luta romana. Há exercícios que lhe não são próprios e que lhe
seriam prejudiciais, não só à beleza como à saúde e até a sujeitariam ao
ridículo".
Entretanto,
no Brasil também havia sacerdotes "mais modernos", como o respeitado Monsenhor
José Severino da Silva, fundador do Orfanato de São José em Campos, que chegou
a reunir moças para jogarem nos três maiores clubes de futebol do Norte
Fluminense da época, num torneio para arrecadar fundos em benefício de sua
obra!
Numa "Cruzada pela pureza", as palavras do
Papa Pio XII
Infelizmente,
a falange dos padres "mais modernos" era tão numerosa, já naqueles anos, que as
advertências do Vaticano não conseguiram impedir que se difundissem as
competições esportivas femininas em público, tornadas populares pelo regime de
Mussolini.
Alguns
anos mais tarde, o Papa Pio XII teve de reagir contra a onda crescente de
despudor promovendo, por meio do ramo feminino da Ação Católica, uma "grande
Cruzada da pureza", cuja guardiã é a modéstia, que ele definiu como "um
respeito religioso pelo corpo que se expressa em um conjunto de disposições da
pessoa, de maneiras, de porte, de palavras sabiamente reguladas e medidas". O
Papa apresentou para as moças católicas o exemplo da mártir Vibia Perpétua no
anfiteatro de Cartago, onde ao cair de costas na arena após ser lançada ao ar
por uma vaca muito feroz, seu primeiro gesto foi endireitar a túnica, que havia
sido rasgada, a fim de cobrir seu flanco, mais preocupada que estava com a
modéstia do que com a dor.
Após
essa introdução, o Papa prosseguia: "A moda e a modéstia devem andar e
caminhar juntas como duas irmãs, porque ambas as palavras têm a mesma
etimologia, do latim modus, ou seja, a medida certa, além e aquém da qual não
se encontra o direito (Oraz. Serm. 1, 1, 106-107).
"Mas a modéstia
não está mais na moda! Semelhantes àqueles pobres alienados que, tendo perdido
o instinto de autopreservação e a noção do perigo, lançam-se ao fogo ou aos
rios, não poucas almas femininas, esquecendo-se do pudor cristão por ambiciosa
vaidade, enfrentam miseravelmente perigos onde a sua pureza pode encontrar a
morte. (Fonte Agência Boa Imprensa https://www.abim.inf.br )