O pontificado de Francisco em sua hora mais sombria
A crise da Igreja Católica se aproxima do clímax.
O dia 13 de março marcou o décimo aniversário da eleição do cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio como Sumo Pontífice da Igreja Católica. Esse aniversário foi lembrado por muitos artigos laudatórios nos principais meios de comunicação da imprensa mundial. Ross Douthat foi uma das poucas exceções ao coro de elogios, argumentando em sua coluna no New York Times que o papa Francisco trouxe à Igreja Católica uma década de divisão. Douthat acredita que as reformas de Francisco tendem a uma autodestruição do catolicismo.
Por Daniel Iglesias Grèzes
E essa crítica? A verdade é que Francisco tem dado amplo motivo de preocupação aos católicos que muitos chamam de "conservadores", e que na verdade são "ortodoxos", ou seja, fiéis à doutrina bíblica e católica tradicional. Apresentarei sinteticamente alguns desses motivos, classificando-os em três áreas: a doutrina cristã, a relação da Igreja com o mundo e o governo da Igreja. Cada uma dessas áreas daria para escrever um livro.
Na frente doutrinária, o pontificado de Francisco apresenta características que o tornam único na história da Igreja, uma vez que as declarações e ações questionáveis ou duvidosas de Francisco em matéria doutrinária são muito numerosas. O livro multiautor Denzinger-Bergoglio: As surpreendentes contribuições de Francisco para o magistério bimilenar da Igreja compila e analisa em 1.769 páginas centenas dessas declarações, baseadas nos três primeiros anos de seu pontificado.
Pode-se facilmente entender que um Papa loquaz é impreciso em um discurso improvisado; Mas quando uma ideia é repetida insistentemente, essa explicação não é mais válida. Por exemplo, Francisco disse muitas vezes que Jesus não multiplicou os pães e até falou da "parábola (sic) da multiplicação dos pães".
Outra das ideias estranhas que Francisco repete incessantemente é a sua condenação do proselitismo. Na linguagem cristã tradicional, "proselitismo" é sinônimo de "missão"; Portanto, é algo não apenas legítimo, mas até mesmo necessário e essencial. Recentemente, começou a ser feita uma distinção entre "bom proselitismo", guiado pelo amor a Deus e ao próximo, e "mau proselitismo", movido por motivações egoístas ou mundanas. Francisco condenou o proselitismo muitas vezes sem fazer qualquer distinção. Dá a impressão, por vezes reforçada pelo contexto, de condenar qualquer tentativa de convencer os não-cristãos de que o cristianismo é a verdadeira religião. Esta última convicção, tão central em toda a história da Igreja (e tão enfatizada por Bento XVI), não parece desempenhar um papel importante no magistério de Francisco.
Só para o caso de esclarecer que, segundo a fé católica, o Papa só é infalível quando fala ex cathedra e Francisco nunca o fez.
Passemos à grande questão da relação da Igreja com o mundo. Nesta área, Francisco tem se caracterizado por impor a toda a Igreja suas opiniões pessoais sobre questões que parecem obcecá-lo. Vou indicar dois exemplos que são novidades absolutas:
1. Sua pregação sobre a obrigação incondicional de acolher todos os imigrantes que chegam. É verdade que as suas declarações sobre este assunto têm sido um pouco oscilantes, mas em geral ele transmitiu essa ideia. De acordo com a doutrina moral cristã tradicional, embora os direitos dos migrantes devam obviamente ser respeitados, os governos têm o direito de regular a imigração de maneira justa. Esta é uma questão complexa e prudencial que não admite receitas únicas.
2. Seu apoio entusiástico à teoria científica do aquecimento global antropogênico catastrófico, tornando-a a premissa básica de uma espécie de nova moralidade ecológica. Como a questão da verdade ou falsidade dessa teoria é uma questão estritamente científica, na prática a legítima autonomia da ciência em relação à Igreja está sendo ignorada. Isso traz consigo o risco de causar uma espécie de novo "caso Galileu".
Neste ponto, vale mencionar um fato sintomático. Há alguns anos, um membro da Cúria Romana disse, com alegria, que pela primeira vez a agenda do Papa e a das Nações Unidas estão em sintonia. Penso que quem se lembra com admiração da cruzada épica de São João Paulo II contra o imperialismo demográfico neomalthusiano não pode deixar de estremecer com tamanha novidade.
Quanto ao governo da Igreja, destacarei apenas um aspecto do pontificado de Francisco: sua tomada de partido em favor do "progressismo" eclesial.
O termo "progressismo" não tem aqui um sentido político, mas teológico. O progressismo é um desvio do cristianismo caracterizado por seu relativismo teológico e moral: os progressistas tendem a pensar que não há verdades objetivas em questões religiosas ou morais; ou que, se existem, não podemos conhecê-los. Portanto, mesmo os dogmas da fé podem mudar de acordo com o espírito da época.
Francisco reabilitou, premiou ou apoiou muitos progressistas. Vou dar apenas dois exemplos entre muitos possíveis: 1) Leonardo Boff, teólogo da libertação condenado em 1985 por suas inclinações filomarxistas, afirma ter sido um dos principais conselheiros de Francisco para a elaboração de sua "encíclica ecológica" Laudato Si'; 2) James Martin SJ, o principal opositor (dentro da Igreja) da doutrina cristã sobre a homossexualidade, recebeu várias cartas de apoio e várias nomeações importantes de Francisco.
A mencionada tomada de partido se aprofundou após a morte de Bento XVI. Francisco está intensificando sua luta contra a tradicional missa latina e está multiplicando suas intervenções sobre (ou contra?) as partes mais "conservadoras" (isto é, como expliquei, mais ortodoxas) da Igreja.
No dia 01/07/2023 aconteceu algo inusitado. Francisco nomeou como novo prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé Dom Victor Manuel Fernández, arcebispo de La Plata, Argentina, um teólogo ultra progressista amigo dele.
Além disso, no próximo "Sínodo sobre a Sinodalidade", que terá lugar em outubro em Roma, vários bispos alemães procurarão garantir que toda a Igreja aceite as conclusões do "Caminho Sinodal alemão", que, entre outras coisas, aprovou por larga maioria a bênção das uniões homossexuais. O Papa não contrariou vigorosamente esta grave deriva progressista.
Rezemos pela Igreja, para que supere o mais depressa possível a sua atual crise, e pelo Papa, para que cumpra fielmente a sua missão de confirmar os seus irmãos e irmãs na fé cristã e católica. (Fonte: InfoCatolica)