Os últimos dias da campanha eleitoral americana foram uma verdadeira provação para nós que vivemos na Catalunha, praticamente todos os meios de comunicação locais não pararam de fazer campanha por Kamala Harris e uma crítica furiosa e destrutiva a Donald Trump, acusado de ser um louco e um perigo para a democracia e o mundo ocidental. Mas como todo...
Pecado mortal e pecado venial
Muito leitores nos pedem orientações com relação aos significados dos termos pecado mortal e pecado venial, via de regra solicitando listas dos referidos pecados, isto é, uma relação enumerada que especifique quais são os mortais e quais os veniais, elencando um por um.
Alguns nos dão a nítida impressão de querer saber se determinados pecados são veniais simplesmente para que possam continuar a praticá-los, sem medo de perder a alma no Inferno...Entendemos que muito mais importante e bem mais útil do que listar e classificar os atos pecaminosos, um por um (até porque esta seria uma tarefa mais que complexa e incerta) é esclarecer o que define os pecados como mortais ou veniais. Nesta matéria, o realmente fundamental é saber discerni-los com clareza, já que àqueles que sabem discerni-los a partir daquilo que os define, fica de uma vez por todas esclarecida a questão.
O pecado é, entre outras coisas, uma falta contra a razão, contra a verdade e contra a consciência reta; é uma falta ao amor verdadeiro para com Deus e para com o próximo, por causa de um apego desordenado a algum bem, colocado antes ou à frente do próprio Deus, que é nosso Sumo Bem e o Doador de todos os bens.
O pecado fere a natureza do homem, seja por pensamento, palavra, ato,
omissão ou desejo contrário à Lei divina (cf. CIC §1849).Essa descrição do pecado talvez pareça dura para alguns, especialmente os mais
jovens. Será que até pensar pode ser pecado? E como é que somente desejar
alguma coisa é pecado? Quem é capaz de dominar completamente os desejos ocultos
de seu próprio coração? São perguntas válidas. Para respondê-las, antes de
tudo, é preciso entender que o pecado, para ser vencido, precisa ser
identificado e combatido já na sua raiz. Nosso Senhor Jesus Cristo diz:
Ouvistes que foi dito aos antigos: 'Não cometerás adultério'. Eu, porém, vos digo: todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou com ela em seu coração. Se teu olho direito é para ti causa de queda, arranca-o e lança-o longe de ti, pois te é preferível que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no Inferno. (Mt 5, 27-29)
A Lei dos judeus mandava não adulterar. Este seria um pecado mortal. Mas vem Jesus, que consumou a Lei, e diz que apenas olhar com cobiça uma mulher já é pecado. Ora, cremos plenamente que Jesus veio para nos libertar, para nos livrar de um jugo pesado, para substituir a dureza da Lei pela suavidade da Graça e nos levar a trocar o caminho do medo pelo Caminho do Amor. Ele próprio assim o declarou, em diversas passagens ('meu jugo é suave e meu fardo é leve' [Mt 11,28ss]), e toda a Tradição cristã, juntamente com as Sagradas Escrituras, continuamente o confirmam; mas em certos momentos parece ficar a impressão de que as coisas são agora mais difíceis, já que a exigência aumentou. Será mesmo?
Ocorre que, a partir de Jesus Cristo, ser fiel a Deus e ganhar a Graça Divina deixou de depender de se observar uma coleção de preceitos, como muitos legalistas erradamente entendiam nos tempos do Antigo Testamento, e outros tantos ditos "cristãos" fazem hoje em dia. Não se trata de carregar uma lista do que "pode" e do que "não pode" debaixo do braço. A partir da vinda e do Sacrifício do Filho de Deus, não basta mais a observância externa, ritualista, superficial. Nos novos tempos da Nova e Eterna Aliança, é necessário aderir ao Evangelho de todo o coração e alma, porque os verdadeiros adoradores adoram em espírito e em verdade – e isso requer conversão total de vida.
Conversão é uma mudança radical ou total de direção. Metaforicamente falando, é uma inversão, uma virada de 180 graus. Se vínhamos avançando em determinado sentido, agora é preciso dar meia volta e caminhar no sentido oposto. Uma tal adesão, de todo coração, de todo entendimento e de toda a alma, não pode ser superficial. É preciso amar de fato a Deus sobre todas as coisas, e, assim, o próximo como a si mesmo. E quem ama a Deus mais do que tudo não tem como amar o pecado, que ofende a Deus e nos afasta dEle.
– Por isso é que não só o adultério é pecado, mas também o querer adulterar, o pensar, o consentir em imaginar isso. Quem está verdadeiramente bem decidido e mantém os pés firmes no Caminho não se distrai olhando para trás, menos ainda alimenta desejos secretos de caminhar na direção contrária. Ser verdadeiramente cristão, portanto, é algo completamente diferente de ser adepto de qualquer religião legalista ou superficial, que simplesmente observa frios rituais vazios e vive de falsas aparências. Ser cristão de fato é, em uma palavra, ser honesto na adesão ao Evangelho. É ser autêntico. A pessoa é cristã de verdade ou é uma caricatura de cristão (algo que, aliás, infelizmente, é o tipo mais comum); não há meio termo.Falando então do modo mais resumido possível, o pecado é uma ação contrária ao Amor de Deus – por uma escolha, uma decisão de livre vontade do indivíduo.
Assim como o ser humano é livre para amar, obedecer e praticar o bem, também é livre para odiar e desobedecer, e desobedecer até até às últimas consequências. Até a morte eterna. É uma liberdade radical do ser humano: a liberdade de escolha que Deus dá ao homem é ilimitada. Cabe-nos o poder da escolha, para o bem ou para o mal.
Os Céus e a Terra tomo hoje por testemunhas contra vós, de que te tenho proposto a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe pois a vida, para que vivas, tu e a tua descendência, amando ao Senhor teu Deus, dando ouvidos à sua Voz e unindo-te a Ele; pois Ele é a tua vida. (Dt 30,19-20)
É sabido também que existe uma grande variedade de pecados e, apesar de todos afastarem de Deus, estão separados em diferentes graus. As Sagradas Escrituras trazem várias listas e descrições. São Paulo Apóstolo, por exemplo, na Carta aos Gálatas fala das "obras da carne manifestas, as quais são: a prostituição, a impureza, a lascívia, a idolatria, a feitiçaria, as inimizades, as contendas, os ciúmes, as iras, as facções, as dissensões, os partidos, as invejas, as bebedeiras, as orgias e coisas semelhantes a estas" (5,19-21).
É deste modo que os pecados cometidos pelos homens, conforme a sua gravidade, são divididos em mortais ou veniais. Por pecado venial entende-se aquele ato que não separa o homem totalmente de Deus, mas que fere a Comunhão com o Criador. Já o pecado mortal, por sua vez, atenta mais gravemente contra o Amor de Deus, desviando o ser humano de sua finalidade última e da Bem-aventurança, excluindo-o do estado de graça.
Segundo o Catecismo da Igreja Católica
É
pecado mortal o que tem por objeto uma matéria grave, e é cometido com plena
consciência e de propósito deliberado. (...) A gravidade dos pecados é maior ou menor: um homicídio é mais
grave que um roubo. (...) Para que o pecado seja mortal tem de ser cometido com
plena consciência e total consentimento. Pressupõe o
conhecimento
do caráter pecaminoso do ato, da sua oposição à Lei de Deus. E implica também
um consentimento suficientemente deliberado para ser uma opção pessoal.
A ignorância simulada e o endurecimento do coração não diminuem, antes aumentam, o caráter voluntário do pecado. (...) O pecado cometido por malícia, por escolha deliberada do mal, é o mais grave. O pecado mortal é uma possibilidade radical da liberdade humana, tal como o próprio amor. Tem como consequência a perda da caridade e a privação da graça santificante, ou seja, do estado de graça. E se não for resgatado pelo arrependimento e pelo perdão de Deus, originará a exclusão do Reino de Cristo e a morte eterna no Inferno, uma vez que a nossa liberdade tem capacidade para fazer escolhas definitivas, irreversíveis. No entanto, embora nos seja possível julgar se um ato é, em si, uma falta grave, devemos confiar o juízo sobre as pessoas à justiça e à misericórdia de Deus." (CIC §1857 - §1861)
O pecado mortal, portanto, só acontece quando o indivíduo comete um delito contra Deus consciente dos requisitos descritos acima, e não somente pela matéria grave, isto é, a gravidade do ato em si. Uma pessoa sem formação moral e intelectual adequada e sem condições de adquiri-la, que pratica uma ação pecaminosa, pode ser isenta de culpa por se enquadrar no caso da chamada ignorância invencível. Por outro lado, existe também a ignorância afetada, quando a pessoa tinha condições de conhecer a verdade, mas por interesse próprio, simplesmente para poder pecar, preferiu não conhecê-la. Neste caso, o indivíduo peca ainda mais gravemente.
Na prática, quais os efeitos do pecado mortal sobre a pessoa que o comete? Como visto, a exclusão do Reino de Deus e a morte eterna no Inferno, já que a nossa liberdade é radical: temos até mesmo o poder de fazer opções para sempre, sem regresso. – Após esta vida entraremos na eternidade, libertos do fator tempo; no estado em que deixarmos este mundo, permaneceremos, em estado de graça ou não – unidos a Deus ou aos inimigos de Deus, numa realidade em que não há ontem nem haverá amanhã. Estaremos plena e perenemente com Deus ou separados d'Ele, sem tempo, sem mudança, sem variações.
E quanto aos pecados veniais? Seriam estes inofensivos, desprezíveis? Muitos entendem que apenas os pecados mortais devem ser prevenidos, evitados e confessados, imaginando que os pecados veniais não seriam importantes e/ou seriam perdoados "automaticamente". Essa linha de pensamento não corresponde à realidade, pois um pecado mortal muitas vezes é gerado por uma quantidade de pecados veniais cometidos antes. O pecado venial, embora pareça sem importância, é um passo que conduz ao abismo. Diz o livro do Eclesiástico: "Quem despreza as coisas pequenas, pouco a pouco cairá" (19,1). Aquele que despreocupadamente se entrega à prática dos pecados veniais, despreza as coisas pequenas. Pouco a pouco se dispõe a cair totalmente, até naufragar de vez nas águas pútridas do pecado mortal.
Um após outro, os pecados veniais levam o indivíduo ao abismo, que é o rompimento da amizade com Deus.
O homem não pode, enquanto está na carne, evitar todos os pecados, pelo menos os pecados leves. Mas esses pecados, que chamamos leves, não os consideres insignificantes; se os consideras insignificantes ao pesá-los, treme ao contá-los! Um grande número de objetos leves faz uma grande massa; um grande número de gotas enche um rio; um grande número de grãos faz um montão. Qual é então a nossa esperança? Antes de tudo, a Confissão... (Santo. Agostinho, In epistulam Iohannis Parthos tractatus, 1, 6: PL 35, 1982)
Portanto, para evitar o rompimento da amizade com Deus, ou seja, evitar cometer um pecado grave, é preciso combater os chamados pecados veniais, os quais são como que passos em direção ao abismo. E muitos passos juntos percorrem quilômetros. Nesse sentido, o Sacramento da Confissão é o único remédio eficaz, que pode refrear essa triste caminhada ou íngreme descida, rumo ao abismo definitivo que chamamos Inferno.
Uma reflexão final: porque é tão difícil combater o inimigo de todos nós, o inimigo da vida e da humanidade, Satanás, com seus anjos? Se queremos seguir o Caminho, que é Jesus Cristo, e sermos fiéis a Deus, vivendo uma vida de bem-aventuranças e alcançarmos, por fim, a vida eterna, por que voltamos sempre a tropeçar, e nossos passos se desviam? A resposta é simples: é assim porque os demônios nos atacam com uma arma terrível e formidável: o prazer.
Sim. Via de regra, o pecado é prazeroso, e se não fosse não seria tão perigoso. Façamos uma brevíssima análise dos pecados capitais (que acabamos de estudar individualmente aqui): gula; luxúria; avareza; ira; inveja; preguiça; orgulho ou soberba. Todos eles capturam a pessoa humana, direta ou indiretamente, pelo prazer – seja o prazer de comer e beber (gula); o desejo do prazer desordenado do sexo (luxúria); o apego ao dinheiro e, consequentemente, aos inúmeros prazeres que nos pode proporcionar, inclusive o prazer de ter poder (avareza); seja na inveja do nosso próximo, que tem ou vive uma situação mais prazerosa que a nossa; na ira que invariavelmente explode quando algo ou alguém nos submete a uma situação de privação de algum prazer; seja o prazer de não fazer nada, sem ter nenhum compromisso (preguiça) ou o prazer egoísta de se sentir superior ao próximo (orgulho).O prazer escraviza. Uma vida em pecado é uma vida de escravidão. Uma velha canção popular perguntava: "Será que tudo que eu gosto é ilegal, imoral ou engorda?".
– Quanto mais escravizados, mais forte a sensação de "não posso fazer nada do que gosto". – Quanto mais nos tornamos realmente livres, porém, mais compreendemos o verdadeiro significado da palavra liberdade, tão distante de libertinagem.
O pecado cria uma propensão ao pecado; gera o vício pela repetição dos mesmos atos. Disso resultam inclinações perversas que obscurecem a consciência e corrompem a avaliação concreta do bem e do mal. Assim, o pecado tende a reproduzir-se e a reforçar-se, mas não consegue destruir o senso moral até a raiz. (CIC §1865)
Entregar-se ao pecado é verdadeiramente o completo oposto de ser verdadeiramente livre. Os prazeres dos pecados parecem bons em certos momentos, mas duram pouco e, depois que acabam, o pecador continua, por um lado, o mesmo, e por outro, ainda pior: continua vazio, e um sempre pouco mais escravo. Claro e evidente que uma vida sem pecado não precisa ser, necessariamente, uma vida destituída dos prazeres deste mundo.
Não somos máquinas, e nossas mentes e almas precisam de descanso na hora certa. Pequenos prazeres e distrações, de vez em quando, são sem dúvida benéficos. Somos, sim, livres, e tudo nos é permitido, dentro daquilo que nos convém enquanto cristãos. "Tudo me é permitido, mas nem tudo convém. Tudo me é permitido, mas eu não me deixarei dominar por coisa alguma" (1Cor 6,12).
– A grande arte da alma livre é, justamente, aprender a não se deixar dominar por nada e nem por ninguém, porque deve obediência somente a Deus. Consta que certa vez um penitente perguntou ao santo Padre Pio de Pietrelcina como distinguir uma tentação de um pecado, e como se pode estar certo de que não pecou. E Padre Pio respondeu: "Como se distingue um burro de um homem? O burro tem de ser conduzido; o homem conduz a si próprio". (Fonte O Fiel Católico)
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