Santa intransigência

13/12/2024

A intransigência é a firmeza com que as ideias são defendidas. É santo quando essas idéias são religiosas. E não de qualquer religião, mas da única verdadeira, fundada por Jesus Cristo, Deus feito homem, Redentor da espécie humana. A maior intransigência que se pode imaginar é expressa nos dogmas da Igreja Católica, que são tão verdadeiros que são definidos como infalíveis.

Para defender o Nome de Cristo e Seus ensinamentos, inúmeros cristãos enfrentaram perseguição, sofrimento e morte ao longo da história. Os mártires foram testemunhas de Cristo, que é o único Caminho, Verdade e Vida (Jo 14,6). Nos tempos do Império Romano, como no relativismo de hoje, sustentava-se que todas as religiões deveriam ser consideradas iguais. No antigo panteão, todas as religiões tinham que ser subordinadas ao culto da deusa Roma; No panteão moderno, eles têm que se subordinar ao culto relativista, que, negando a cada religião o direito de se qualificar como autenticamente verdadeira, proclama todas falsas. Por isso, a sociedade moderna pode ser descrita como intrinsecamente ateia, mesmo que a ditadura do relativismo ainda não tenha atingido as perseguições sangrentas dos primeiros séculos da Igreja.

Aqueles que abraçam a filosofia relativista sem reservas são minoria, assim como aqueles que hoje vivem de acordo com a santa desigualdade também são minoria. A maioria dos homens, tanto hoje como ontem, é composta de medíocres, que detestam tudo o que leva a um confronto de idéias. O medíocre é aquele que odeia aqueles que são superiores a ele, porque sua presença os deixa inquietos. Inquietação, porque sua tranquilidade não é tranquilitas ordinis – isto é, a paz garantida pela ordem dos valores absolutos – mas a de seus interesses egoístas. O homem superior é aquele que é guiado por um padrão elevado e altruísta de vida e pensamento. Ele é um homem de ideias firmes e constantes, que vive de acordo com princípios.

O escritor francês Ernest Hello dedicou páginas memoráveis ao homem medíocre. Para Hello, o homem medíocre é aquele que vive com medo, não corre riscos. Ele teme controvérsia, controvérsia. Ele abomina o gênio e a virtude. Ele adora moderação e o que considera ser o meio-termo certo. Um dos traços que o caracterizam é o respeito que professa pela opinião pública. Ele não fala; Repita como um papagaio. Ele respeita aquele que triunfa, mas teme aqueles com quem o mundo luta. Ele iria tão longe a ponto de tentar conquistar seu pior inimigo se fosse objeto de honra do mundo, mas está pronto para se distanciar de seu melhor amigo quando o mundo o atacar.

O medíocre gosta de fazer parecer que é moderado. Quando a moderação é sincera, é uma virtude, mas não tem nada a ver com moderativismo, que é uma regra de vida contrária à intransigência de quem se esforça por defender a verdade. Para os hipermoderados, a verdade é um excesso; como também é para erro.

Em artigo publicado na revista Catolicismo, em setembro de 1954, o professor Plínio Corrêa de Oliveira explicou com bastante propriedade:

"A característica definidora do moderatismo é que, na prática, ele leva a uma terceira posição intermediária entre a verdade e o erro, entre o bem e o mal. Se em um extremo está a Cidade de Deus, cujos filhos procuram espalhar o bem e a verdade em todas as suas formas, e no outro a Cidade de Satanás, cujos seguidores procuram espalhar o erro e o mal em todas as suas formas, é claro que não há como espalhar a verdade e o bem sem combater o erro e o mal. E da mesma forma, é impossível propagar o erro e o mal sem lutar contra o bem e a verdade, contra aqueles que espalham a verdade e trabalham para o bem".

Os moderados e os medíocres detestam aqueles que são consistentes com suas próprias idéias e os rotulam como intolerantes. Na realidade, a intolerância não é uma virtude, nem a tolerância; mas, como a tolerância, pode ser uma consequência do exercício da virtude. A intolerância pode estar ligada ao amor próprio, à arrogância e ao zelo da amargura, e pode ser também fruto de um amor intransigente à verdade, assim como a tolerância pode nascer da caridade e da prudência, mas também pode ser o resultado de um relativismo culpado e de um espírito conciliador.

Intolerância é um termo depreciativo aplicado por filósofos do Iluminismo, como Voltaire, à santa intransigência. Aqueles que professam a santa intransigência têm seu modelo na Bem-Aventurada Virgem Maria. Em outro artigo publicado no catolicismo no mesmo ano de 1954, dedicado naquela ocasião à Imaculada Conceição e à santa inocência, o professor Corrêa de Oliveira, depois de falar do tempo de confusão e corrupção moral que precedeu o nascimento de Cristo, escreve o seguinte:

"Quando o mundo estava passando por essas circunstâncias, quem era a Virgem Santíssima, criada por Deus naqueles tempos de total decadência? Ela foi a antítese mais intransigente, categórica, enfática e radical de seu tempo. (…) Inmaculada é uma palavra com um prefixo negativo. Etimologicamente, significa sem mancha e, portanto, sem o menor erro, por menor que seja, e de todo pecado, por mais venial e insignificante que possa parecer. Significa integridade de fé e virtudes. Consequentemente, uma intransigência absoluta, metódica e irredutível. Uma aversão total, profunda e diametral a todo mal e erro. A santa intransigência na verdade e na bondade é ortodoxia e pureza, na medida em que se opõe à heterodoxia e ao mal. Para amar a Deus sem medida, Nossa Senhora amou em igual medida com todo o seu coração o que é de Deus. E como ele odiava o mal sem medida, ele odiava Satanás, suas pompas e suas obras sem limites. Ele odiava o Diabo, o mundo e a carne ["Tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não é do Pai, mas do mundo. E o mundo passa com a sua concupiscência, mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre" (1 Jun 2:16-17). Nossa Senhora da Imaculada Conceição é a Senhora da santa intransigência." (Fonte: Adelante La Fe)