Santo Inácio de Loyola
Fundador da Companhia de Jesus, seus Exercícios Espirituais são o meio "mais sábio e mais universal para dirigir as almas no caminho da salvação" (Pio XI). Sua festividade é celebrada no dia 31 de julho.
Por Plinio Maria Solimeo
Em julho de 2002 apresentamos nesta seção a vida desse grande guerreiro de Deus e devoto da Santíssima Virgem. Ressaltamos agora alguns aspectos dela, principalmente os Exercícios Espirituais, que levaram tantas almas à vida de perfeição.
Desejo de ganhar honra na milícia terrestre
Inácio de Loyola, décimo filho de D. Beltrán Yáñes de Oñaz y Loyola e de Dona Maria (ou Marina) Sáenz de Balda, nasceu em 1491no castelo de Loyola. Recebeu no batismo o nome de Íñigo, em língua basca, por devoção da família a Santo Enecon (Innicus), abade de Oña, na região. Mais tarde, já em Paris, o santo latiniza seu nome para Inácio, por devoção a Santo Inácio de Antioquia, e também "por ser mais universal" e "mais comum nas outras nações".
Íñigo perdeu a mãe aos oito anos de idade e o pai aos quatorze. Este, tendo já vários filhos na carreira das armas, pretendera encaminhar o caçula para o estado eclesiástico. Mas o menino sentia-se muito mais fascinado pela vida cavalheiresca e aventurosa de seus irmãos mais velhos, dois dos quais tinham seguido as bandeiras de Gonzalo Fernández de Córdoba, o Gran Capitán, nas guerras de Nápoles. Um terceiro embarcaria para a América e se tornaria Comendador da Ordem de Calatrava. Outro participaria, como capitão de companhia, da luta contra os mouriscos de Granada, e depois lideraria as tropas bascas contra os franceses, sob as ordens do Duque de Alba.
Atendendo ao pedido de seu parente D. Juan Velázquez de Cuéllar, contador-mor do rei Fernando de Aragão, o pai enviara Íñigo para ser educado com os filhos dele, o que lhe abriu as portas da Corte. Nesta ele recebeu uma educação cortesã esmerada, mas muito falha no campo intelectual: praticamente só sabia ler e escrever. Entretanto, todos admirarão no futuro fundador da Companhia de Jesus uma distinção no porte, na conversação, no trato, e até no comer, que revelavam a boa educação nobre que tivera.
Íñigo "deleitava-se principalmente no exercício de armas, com grande e vão desejo de ganhar honra" — conforme confessará em sua Autobiografia (Aut. 1, p. 31).(1)
Essa foi provavelmente a época, de que se lamentará mais tarde, como sendo de sua grande dissipação e tibieza. Bem apessoado, falando e dançando bem, destro nas armas e nos jogos, bem-visto por todos, o que mais podia desejar? Embora em sua Autobiografia afirme que foi um grande pecador, confessou ao Padre Câmara que "nunca havia tido consentimento em pecado mortal" (Aut. 99, pp. 109-110).
Íñigo permaneceu na Corte mesmo depois de terminada sua educação. Porém, com a morte de D. Juan Velázquez de Cuéllar em 1517, passou ao serviço de seu parente Antonio Manrique de Lara, Duque de Nájera e Vice-Rei da Navarra, primeiro como gentil-homem e depois como capitão de companhia. Assim, saía às vezes para alguma incursão militar, mas voltava sempre à Corte, onde estava preso seu coração. Pois, segundo ele próprio afirma, tinha os olhos postos numa dama, "senhora que não era de vulgar nobreza: nem condessa, nem duquesa, mas seu estado era mais alto que qualquer destes" (Aut. 6, p.34).
Pamplona: o canhonaço que mudou a História
Em 1521 Íñigo se destacaria, pelejando animosamente na defesa de Pamplona, sitiada pelos franceses. Numa luta desigual, os espanhóis foram forçados a retirar-se para a fortaleza, e a cidade caiu nas mãos dos inimigos.
Íñigo dissuadiu seus companheiros de aceitar a trégua oferecida pelo capitão francês, por considerá-la vergonhosa. E prepararam-se todos então para o pior. Como não tinham capelão, ele confessou seus pecados a um companheiro de armas, como era uso desde a Idade Média e o próprio São Tomás de Aquino recomendava (2), pois embora nessas circunstâncias não se receba a absolvição sacramental, a humildade demonstrada ajuda a contrição de coração e é bem vista por Deus.
Foi então que um tiro de bombarda atingiu-o entre as pernas, quebrando a direita e ferindo a esquerda. Caindo Íñigo, a fortaleza se rendeu.
O resto é já bastante conhecido: Íñigo teve de passar longo período de restabelecimento no castelo do irmão mais velho, submeteu-se a duas penosas cirurgias para não ficar coxo, e nas longas horas de tédio começou a ler livros religiosos, os únicos que havia no palácio. A graça de Deus fez o resto, e ele, completamente convertido, decidiu viver só para Deus.
Exercícios Espirituais – assistência de Deus
Em Manresa (Catalunha, Espanha) para onde se retirara enquanto aguardava os meios de ir a Jerusalém, Íñigo foi cumulado de graças extraordinárias. Conta ele que, muitas vezes, estando em oração, via com os olhos interiores a humanidade de Cristo. Via também Nossa Senhora do mesmo modo. Ele declarou que "estas visões o confirmaram então, e lhe deram sempre tanta confirmação da fé, que muitas vezes pensou consigo: 'Se não houvesse Escritura que nos ensinasse estas verdades da fé, ele se determinaria a morrer por elas só pelo que vira'". (Aut. 29)
Na Autobiografia ele afirma que "os Exercícios, não os havia escrito todos de uma vez, mas que, algumas coisas que ele observava em sua alma e que julgava úteis, parecia-lhe serem também úteis a outros, e assim as punha por escrito" (Aut. 99).
Pio XI diz que os Exercícios Espirituais de Santo Inácio são o "mais sábio e universal código espiritual para dirigir as almas no caminho da salvação e da perfeição, fonte inesgotável de piedade, ao mesmo tempo excelente e muito sólida".(3) Isso não teria sido assim caso não tivesse havido uma assistência celeste especial ao seu autor, pois o Pe. Lainez afirma que, na época de sua conversão, Íñigo era "um homem simples, e só sabia ler e escrever em romance" (Aut. 28, nota 10).
Com efeito, o próprio Santo Inácio, embora não se refira diretamente aos Exercícios, declara em sua Autobiografia que, em Manresa, "neste tempo, Deus o tratava da mesma maneira que um mestre de escola trata a um menino, ensinando-o; e, ora isto fosse por sua rudeza e espessura de engenho, ou porque não tinha quem lhe ensinasse, ou pela firme vontade que o próprio Deus lhe havia dado para servi-lo, ele julgava claramente e sempre julgou que Deus o tratava dessa maneira [ensinando-o] ; e se duvidasse disso, pensaria ofender à sua Divina Majestade" (Aut. 27, p. 47). Quer dizer, foi com uma ajuda muito especial de Deus que ele escreveu os Exercícios.
O próprio Santo, escrevendo a seu confessor em Paris, afirma que os Exercícios são "tudo o que de melhor eu nesta vida pude pensar, sentir e entender, assim para o homem poder aproveitar a si mesmo, como para poder frutificar, ajudar e aproveitar a muitos outros".(4) Por isso um dos biógrafos de Santo Inácio afirma: "Sem dúvida, sem particular assistência de Deus, [Santo Inácio] não teria podido escrever este livro. É uma observação da bula de canonização. É também algo evidente. Esta assistência de Deus prolongou-se depois de Manresa para as adições e retoques feitos nas folhas primitivas".(5)
Por isso se pode afirmar que "Os Exercícios são um dos livros mais veneráveis saídos das mãos dos homens, porque, se a Imitação de Cristo enxugou mais lágrimas, os Exercícios produziram mais conversões e santos".(6)
Não cessou de produzir grandes frutos
O Pe. Ignacio Iparraguirre, S.J., na sua Introdução aos Exercícios (BAC, p. 116), comenta: "Se São Francisco de Sales, morto em 1622, dizia que o livro inaciano havia já operado mais conversões que letras têm, o que se deveria dizer no dia de hoje [1952], depois de quatro séculos nos quais não cessou de produzir 'grandes frutos de santidade?'".
Pelo que o papa Leão XIII, referendado e repetido por Pio XI, pôde dizer que "nesta palestra [os Exercícios] haviam adquirido ou ampliado suas virtudes todos os que floresceram muito em doutrina ascética ou em santidade de vida nos últimos quatro séculos".(7)
Comentando essa eficácia dos Exercícios para se chegar à santidade, sintetiza o Pe. Casanovas (8): "Não há perfeição superior à santidade, nem nos homens, nem nos anjos, nem mesmo no próprio Deus. É a coisa de mais valor de quantas existem no mundo, e ainda, em certo sentido, é o fim para o qual encaminha Deus todas as demais coisas".
O conhecido historiador alemão Johannes Janssen, diz: "Este pequeno livro, considerado mesmo pelos protestantes como uma obra mestra de psicologia de primeira ordem, tem sido para o povo alemão, para a história de sua fé e de sua civilização, um dos escritos mais importantes dos tempos modernos".(9)
Enfim, o já citado Pe. Iparraguirre comenta ainda sobre os Exercícios:
"À vista dos extraordinários frutos que operaram os Exercícios, […] chamado 'admirável' pela própria Igreja (Ofício Litúrgico de 31 de julho, lição 4ª. do 2º. Noturno) […] fizeram com que sempre tenham sido considerados como um dom singularíssimo e inteiramente sobrenatural feito por Deus a nosso Santo Padre"(10).
O papel providencial da Companhia de Jesus
Cabe-nos apenas dizer algumas palavras sobre a Companhia de Jesus, fundada por Santo Inácio.
"O papel dos jesuítas na Contra-Reforma católica foi essencial. Na época pareciam perdidas para o protestantismo não só a Alemanha, mas a Escandinávia, e ameaçados os Países Baixos, a Boêmia, Polônia e Áustria, havendo infiltrações da seita não só na França, mas até na própria Itália.
"Santo Inácio enviou seus discípulos a essas regiões infectadas, e estes foram reconduzindo para a Igreja ovelhas desgarradas até na própria Alemanha. Aí trabalharam Pedro Fabro, Cláudio Le Jay e Bobadilha. Mas o que seria o grande apóstolo dos povos germânicos, obtendo inúmeras reconversões, foi São Pedro Canísio, que com razão hoje é considerado o segundo apóstolo da Alemanha, depois de São Bonifácio."(11)
Os primeiros companheiros de Santo Inácio e cofundadores da Companhia de Jesus presentes na Europa e na Índia fizeram verdadeiros prodígios. Francisco Xavier atraía para a Igreja no Oriente praticamente tantas almas quanto as perdidas na Europa com o protestantismo. Os Padres Salmerón e Broet trabalhavam com tanto êxito na Irlanda, que o Papa deu-lhes o título e poderes de Núncios Apostólicos. O Pe. Laines foi requisitado por Veneza. Posteriormente Inácio o enviou, juntamente com o Pe. Salmerón, ao Concílio de Trento, como teólogos do Papa, onde foram duas colunas da ortodoxia.
Santo Inácio determinou a todos esses encarregados de missões elevadas que, antes de fazerem qualquer coisa, ensinassem a doutrina cristã pelas ruas, servissem nos hospitais, e vivessem de esmolas. Enfim, que tivessem cuidado de suas almas, para não vir a perdê-las no tumulto das honrarias.
No dia 31 de julho de 1556, com 65 anos de idade, Santo Inácio entregou sua alma de guerreiro católico a Deus
A morte de um grande guerreiro de Deus
Inácio já havia sido precedido na eternidade por vários de seus primeiros discípulos: Hoces, Codure, Fabro e Francisco Xavier. Ele sabia que seria o próximo. E realmente, no dia 31 de julho de 1556, com 65 anos de idade, 30 dos quais antes de sua conversão, 19 em peregrinações e estudos, e 16 depois da fundação da Companhia de Jesus, ele entregou sua alma de guerreiro católico a Deus.
Inácio de Loyola foi beatificado por Paulo V em 1609 e canonizado por Gregório XV em 12 de março de 1622, juntamente com seu filho espiritual, Francisco Xavier, Apóstolo das Índias, Santo Isidro Lavrador, Santa Teresa de Jesus e São Felipe Neri.(Fonte: Agência Boa Imprensa)