São Brás, bispo e mártir

03/02/2024

Celebrado no dia 3 de fevereiro, São Brás, cuja devoção se estende ao mundo inteiro, é um dos 14 "santos auxiliares" invocados pelos católicos em casos de necessidade especial e cura de doenças particulares. 

Por Plinio Maria Solimeo

Têm-se em geral muito poucos dados sobre os santos mártires da Igreja primitiva, seja porque deram suas vidas por Nosso Senhor Jesus Cristo durante os tumultuados tempos das perseguições, quando não havia atas nem documentos para os testificarem, seja porque a memória deles se perdeu com o tempo. Com São Brás, que antiga tradição apresenta como Bispo e Mártir, apesar de sua grande popularidade, ocorre o mesmo. De maneira que, para nos orientar, temos de nos guiar por documentos antigos, quase todos apócrifos e muito posteriores ao seu martírio.

De acordo com a Wikipedia em inglês,1 uma primeira referência a São Brás está nos escritos de Aécio Aminodenus (cerca do ano 500), médico e escritor bizantino muito distinguido por sua erudição. Ele relata que a ajuda desse santo era invocada, já em sua época, para o caso de alimentos, e mesmo para objetos presos na garganta.

Séculos depois, Marco Polo (1254-1324) relata que esteve em Sebaste, no santuário perto do monte da cidadela, onde "o Senhor São Brás obteve a gloriosa coroa do martírio", local mencionado por Guilherme de Rubruck em 1253, mas que parece já não existir.

Temos posteriormente o hagiógrafo italiano Camillo Tutini (1594-1666), que escreveu sua Narrazione della vita e martírio di San Biagio Vescovo di Sebaste. Comprabata col'autorità di gravissimi autori, para a qual disse ter recolhido numerosos testemunhos transmitidos oralmente.

Cumpre dizer que esse bispo e mártir oriental do início do século IV entrou no calendário romano acompanhado apenas por notícias históricas dos martirológios europeus do século IX, quando sua veneração foi trazida para a Europa. Isso é demonstrado nos recitais dos martirológios históricos desse século e na recensão latina da lenda de São Brás. A partir de então, ele se tornou um dos santos mais populares da Idade Média. Somente em Roma levantaram-se em sua honra 35 igrejas.

Contudo, embora as Atas de sua vida sejam do século IX, elas têm um fundo de verdade e historicidade que não se pode desprezar. A tradição oral e a liturgia conservaram sempre os traços fundamentais do seu caráter e santidade, apesar do exagero do autor anônimo de sua lenda escrita.

Popularidade do santo e sua biografia

O Martirológio Romano também se baseia nas Atas medievais, trazendo a 3 de fevereiro: "Em Sebaste, na Armênia, a paixão de São Brás, bispo e mártir. Sob o prefeito Agrícola, este grande taumaturgo sofreu uma longa flagelação, e foi suspenso a um tronco, sobre o qual lhe desfibraram as carnes com pentes de ferro. Depois, lançaram-no numa asquerosa enxovia, e o submergiram num lago, donde saiu incólume. Por ordem do mesmo juiz, foi por fim degolado, junto com dois meninos".

Assim, segundo suas biografias baseadas nos documentos acima e sobretudo nas Atas, São Brás teria nascido no fim do século III em Sebaste, hoje a cidade de Sivas, na Turquia, na época na chamada Armênia Menor. Seus pais deviam ser abastados, pois lhe deram muito boa educação. Brás seguiu depois a carreira médica, mas logo teria se desiludido com o que o mundo pudesse lhe oferecer, e se retirou para a região do Monte Argeu para viver como eremita.

Aos poucos, porém, sua vida de oração e penitência repercutiram na cidade. Quando faleceu o bispo local, os habitantes de Sebaste o aclamaram, como era costume na época, seu novo pontífice. A contragosto, Brás teve de ceder.

Dizem as Atas de seu martírio, que o novo bispo transformou a cova em que habitava em seu palácio episcopal. E de lá descia à cidade quando as obrigações do seu zelo pastoral o reclamavam, operando múltiplas curas, sobretudo em favor dos pobres.

Ora, sucedeu então que, quando Licínio, marido de Constança, irmã do imperador Constantino, ficou com o Império do Oriente e o segundo com o do Ocidente, logo surgiu uma desavença entre os dois Imperadores, que redundou em uma guerra. Constantino derrotou Licínio, deixando-lhe, contudo, a Trácia e a Ásia. Este então, por ódio a Constantino, começou a perseguir os cristãos, negando-lhes até o direito de frequentarem a igreja.

As províncias da Capadócia e da Armênia eram governadas na época, em nome de Licínio, por um prefeito pagão e ferrenho anticristão chamado Agrícola.

Como o bispo de Sebaste era o personagem mais brilhante entre os cristãos, esse prefeito decidiu persegui-lo, e mandou aprisioná-lo.

Consta que, durante seu cativeiro, ele ganhou de um amigo um par de velas para iluminar seu calabouço. É por isso que ele é representado portando duas velas, que também são utilizadas na bênção da garganta.

Segundo as Atas, enquanto Brás estava na prisão, fez uma cura maravilhosa em favor de um rapaz que se engasgara com uma espinha de peixe na garganta, e que estava a ponto de morrer asfixiado. Segundo essas Atas medievais, "Brás pediu então ao Senhor que, se alguém invocasse seu patrocínio contra dor de garganta ou qualquer outra enfermidade, fosse atendido". Assim, ele foi venerado, no Oriente desde o século VI e no Ocidente a partir do século IX, como patrono dos que sofrem de doenças da garganta.

Na prisão, ordenaram a São Brás que renunciasse à sua fé. Ele se recusou, sendo espancado com pentes de ferro e decapitado. Após sua morte, considerado santo, tornou-se o padroeiro das doenças da garganta, dos penteadores de lã, dos fabricantes de velas e dos animais selvagens.

A tradicional bênção de São Brás

Iniciada no século XVI, a bênção de São Brás consiste numa cerimônia celebrada no dia de 3 de fevereiro em quase todo o mundo.

Quando, em 1993, chegando a Bandra, na grande Bombaim (Índia), fui comungar em uma igreja, fiquei espantado ao ver que o templo, bem grande, estava repleto de fiéis. Aí me dei conta de que era o dia 3 de fevereiro, e que todos tinham ido receber a bênção da garganta.

Nessa ocasião, lá como em todos os lugares, o sacerdote coloca duas velas cruzadas presas por uma fita em volta da garganta do fiel, dizendo: "Per intercessionem S. Blasii liberet te Deus a malo gutteris et a quovis alio malo, in nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti" (Que Deus, por intercessão de São Brás, o preserve dos problemas de garganta e de qualquer outro mal, em nome do Padre, e do Filho, e do Espírito Santo).

Como relatam ainda as Atas de São Brás, quando ele esteve foragido em uma gruta, curou vários animais de alguma enfermidade. É por isso que ele é também representado em uma caverna rodeado de animais selvagens, como foi encontrado pelos caçadores do governador.

Pós-história

As relíquias de São Brás encontram-se na basílica de Maratea, cidade na região de Basilicata, no sul da Itália. Durante as perseguições do iconoclasta Leão III, o Isaurico, no ano 723, elas foram colocadas numa urna de mármore e enviadas para Roma. Entretanto, durante uma tempestade, o navio que as levava naufragou nas costas de Maratea, única cidade da Basilicata com vistas para o Mar Tirreno. Acolhidas pela população na basílica da cidade, tornou-se seu padroeiro.

Consta que as paredes dessa basílica, e mais tarde também da estátua do mártir erguida no seu topo em 1563, exsudavam uma espécie de líquido amarelado que os fiéis recolhiam e utilizavam para curar os doentes. Nesse mesmo ano, o Papa Pio IV (1499-1565) considerou esse líquido como um "maná celestial".

A devoção a São Brás tornou-se muito popular em toda a Itália, sendo venerado especialmente em Salemi.

Nessa cidade da Sicília conta-se que, em 1542, o santo salvou a população de uma grave fome provocada por uma invasão de gafanhotos, que destruíram as colheitas no campo. O santo ouviu então as preces do povo, que invocou a sua ajuda. É por isso que, com a colaboração de todas as escolas e associações, até hoje se representa em Salemi "o milagre dos gafanhotos". A celebração termina com a chegada à igreja do santo para colocar os presentes e ter as gargantas abençoadas. (Fonte: Agência Boa Imprensa)